por PEDRO ARÊAS, 25/08/2014
Por fim, meu neto, em nosso time titular, faltou o 7. O 7 em nosso
Botafogo é um número repleto de misticismo, contraria a matemática ou qualquer
pensamento exato, vale mais que milhares de 10. Alguns bons craques vestiram
nosso 7, mas o responsável pela bagunça gerada na ciência do raciocínio lógico,
pela inversão dos valores matemáticos, pela queda de elementos óbvios, foi
Manuel Francisco dos Santos, ou Mané Garrincha, ou Garrincha, ou Mané, ou o
Anjo das Pernas Tortas, ou a Alegria do Povo. Alegria. Povo. Digo de boca
cheia, o maior palhaço de todos os tempos.
Ele não foi apenas um ser, foi vários Manés ao mesmo tempo, multiplicava-se,
encarava sozinho 4, 5 ou até 6 adversários em uma jogada, como se fosse um dançarino,
entortava os tontos Joões enfileirados, que elaboravam minuciosas estratégias
de coberturas para tomar-lhe a bola e, invariavelmente, acabavam deitados na
grama aturdidos, como quem leva uma torta na cara. Por consequência de uma
poliomelite, correu o risco de não se tornar palhaço, teve suas pernas
deformadas pela doença e quase não subiu aos picadeiros. Que piada sem
propósito, hein, destino? Palhaçada ao avesso. Mas sejamos justos, o destino amadureceu,
tomou vergonha na cara e se recompôs, deu tempo ao menino, que pouco mais tarde
driblou o próprio destino, quanta ironia! Driblou o preconceito. Driblou
médicos e fisioterapeutas. Driblou tudo e todos. Foi vetado em vários clubes
até ser aprovado pelo Nilton Santos em nosso circo alvinegro, que tantos astros
heterogêneos sempre abraçou.
Foi motivo de risadas pejorativas pelos quatro cantos. Com talento,
fez essas risadas sem graça tornarem-se alegres. E aí foi só deboche. Zombava
dos Joões com maestria, driblava adversários na ida e na volta, entortava
marcadores, enganava narradores, gozava a vida feito uma criança levada, lotava
estádios, fazia estripulias, arrancava gargalhadas e suspiros. Enlouquecia até
o técnico do próprio Botafogo, que gritava em certo momento, Garrincha, faz o gol logo, chega de brincadeira... justamente quando Mané conduzia a bola até a linha do gol adversário, dava
meia volta e reiniciava os dribles e as piruetas. Palhaço. Mágico. E.T.
Adversários de seleções de outros países o chamaram de Extra Terrestre em 1962. E era realmente. Atuando ao lado de
Pelé, jamais foi derrotado vestindo a camiseta da seleção brasileira. E assumindo a responsabilidade na
ausência do mesmo, contundido, colocou um
mundialito no bolso. Aprontou no Chile. E perguntou após o apito final da grande final, se não haveria segundo turno, como no
campeonato carioca. Que coisa sem graça, né Mané? Acabar a brincadeira assim, com tantos turistas
querendo ainda admirar suas palhaçadas.
Que porre! Gostava mais de brincar descalço em seu preferido
picadeiro de terra batida em Pau Grande rodeado por amigos do que nos luxuosos
gramados europeus. Foi tema de livros, filmes, contos, lendas, histórias, etc.
Para entender bem sobre o Mané seria necessário mais que um curso de graduação,
seria necessário mestrado, doutorado, etc. Mas como a hora do seu almoço está
chegando, necessito sintetizar minha narrativa meu Neto. Peço licença à poesia,
cito uns dos maiores escritores desta nossa desmemoriada pátria amada, Carlos
Drummond de Andrade:
Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é
sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de
todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade
de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país
inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha
disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.
Fantástico! Fantástico! Fantástico! Fantástico! Fantástico!
Fantástico! Sete vezes, Fantástico!
Nesse caso, não posso fazer nenhuma analogia com outros artistas
de circo, porque o Garrincha era o próprio palhaço, o maior deles. Garrincha é
Botafogo e Botafogo é Garrincha. E, meu Neto, isso sem citar outros três ou
quatro times de selecionáveis palhaços que poderiam entrar nesta lista, mas
como tive que escolher 11 titulares, infelizmente fui injusto com uma outra
centena de artistas alvinegros. O diretor deste espetáculo? Ahhhhh… João Alves
Jobin Saldanha, ou João Saldanha, ou João Sem Medo.
3 comentários:
Fantástico, Fantástico, Fantástico, Fantástico, Fantástico, Fantástico, Fantástico, sete vezes fantástica todas as cronicas. Só mesmo o Gloriosos Botafogo de Futebol e Regatas. Abs e SB!
Bem dito, Sergio. A crônica é fantástica e muito bem escrita. Uma delícia...
Abraços Gloriosos.
Caro Rui,
Acabei de ler seu maravilhoso " ensaio " postou em seu excelente blogue. Que historia maravilhosa que voce citou para todos nos que leem regularmente suas mensagens. O que um lindo tribute a quem eu consider ser o melhor dos melhores para sempre ! Continue escrevendo sobre o meu idolo de infancia Mane Garrincha. Voce sabia que eu escrevi dois livros sobre Garrincha ? ( Risos, sete risos, um tao grande quanto o outro ).....
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