sexta-feira, 1 de março de 2019

Os protagonistas do ‘Time do Camburão’

Nota: Onde se lê Cremilson na imagem, deve ler-se Marco Antonio.

"Atenção Zé Carlos, o Time do Camburão acaba de chegar...". – Foi assim que o repórter Deny Menezes, sarcástico e rápido, se dirigiu ao narrador José Carlos Araújo, enviando um flash para a cabine da Rádio Nacional quando o ônibus do Botafogo chegou ao estádio do Maracanã numa tarde de 1977.

Na época, o Botafogo era presidido por Charles Borer, ligado ao Serviço Nacional de Informações (SNI), da linha dura de apoio ao Regime Militar, que fora execrado pela torcida devido a ter procedido à venda da Sede do Clube à Companhia Vale do Rio Doce.

Segundo o cronista Rubens Lemos, “Charles Borer parecia tirano comandante de tropas alemães da SS na Segunda Guerra Mundial e era combatido pelo jornalismo de esquerda, liderado por João Saldanha, por defender pancada nos comunistas cuja perseguição era liderada pelo seu irmão Cecil Borer, diretor do temível DOI-CODI, ante-sala da morte nos anos de chumbo.” (1)

Abrindo um parêntesis sobre o irmão de Charles Borer, Mário Magalhães menciona que “foi Cecil de Macedo Borer (1913-2003), e não o delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury (1933-79) ou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, 81, o mais marcante agente da repressão política no Brasil do século XX. Os três serviram a ditaduras e barbarizaram à margem da lei, mas o mais influente e longevo como repressor foi o baiano Borer.” (2)

Ainda segundo Magalhães, Cecil ingressou na polícia política do antigo Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em 1932, e foi quem prendeu Carlos Lacerda, panfletista à época. Em vésperas do golpe de Estado de 1964, Cecil Borer comandava a DOPS carioca e era o chefe dos espiões infiltrados em organizações de esquerda e sindicatos, conspirando na deposição do presidente constitucional João Goulart e ganhando fama de torturador e pioneiro do Esquadrão da Morte.

Regressando ao presidente do Botafogo, Borer quis entender-se com a torcida e demonstrar autoridade, tendo então montado “um time cheio de craques malandros acima da conta. Contratou Paulo César Caju, Mário Sérgio, Dé, o Aranha, Manfrini, Gil, Ubirajara Alcântara, Renê Pancada e Rodrigues Neto.” (1)

Já estavam no Botafogo, Bráulio, Carbone e Ademir Vicente, que contava detalhes aos companheiros do seu namoro com a cantora Vanusa. Segundo Rubens Lemos, na teoria era uma equipe de futebol, mas na prática era o camburão perfeitamente definido por Deny Menezes. Ninguém queria nada a não ser criar caso, fazer arruaça e desafiar a decantada valentia de Borer.

Rubens Lemos conta os pormenores:

Paulo César Caju não costumava jogar às quintas-feiras pois às quartas havia noites especiais com garotas importadas na então famosa Boate Regine`s. PC Show, com vasta cabeleira Black Power, fazendo biquinho, recitava o francês que aprendeu à risca, no tempo em que brilhou no Olympique de Marselha. Divertiu-se e encantou. Tocar a bola para ele era um desfile.

Mário Sérgio e Renê gostavam de brincadeiras sadias quando o time viajava a Campos e Volta Redonda. Sacavam revólveres e atiravam em placas de trânsito. Quem acertasse menos, pagava a rodada de cerveja, que começava no próprio ônibus (camburão).

O Camburão de Futebol e Regatas passou a treinar em Marechal Hermes. […] Segunda-feira pela manhã, nem pensar. Tudo começava às duas da tarde porque do time titular, apenas o jovem e habilidoso meia Mendonça acordava antes do meio-dia.” (1)

Charles Borer

Após dois empates contra Olaria e São Cristóvão, Charles Borer pensou em enquadrar de vez a equipe e, na sua conceção ‘militarizada’, contratou como técnico, nada mais, nada menos, do que o delegado de polícia Luiz Mariano, do antigo time dos 12 de Ouro, alcunha afável do Esquadrão da Morte.

Importa referir que Luiz Mariano dos Santos foi delegado de Polícia, assumindo diversos cargos, e fundador da Scuderie Detetive Le Cocq (da qual foi presidente), tendo pedido a sua exoneração de diretor do Departamento Geral da Polícia Especializada (DGPE) da Polícia Civil devido a ter sido denunciado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) por envolvimento com o jogo do bicho. (3)

Por sua vez, o preparador físico escolhido por Charles Borer foi, nada mais, nada menos, do que a ‘seda humana’ chamada Hélio Viggio, chefe da Divisão Anti-Sequestro. Além desta divisão, Viggio também chefiou unidades especializadas como as delegacias de roubos e furtos e a de combate às drogas. “Na década de 1980 foi afastado da delegacia de Roubos e Furtos sob acusação de comandar o espancamento de 11 presos que tentaram fugir da carceragem. Já na década de 90, Vigio foi investigado em casos envolvendo jogo do bicho. Seu nome estava na lista de recebedores de propina de castor de Andrade. Nos anos 2000, foi afastado pelo então governador Anthony Garotinho.” (4)

Convencido das suas grandes escolhas, “Charles Borer apresentou a dupla, que guardava pistolas sob as calças de elástico e disse que a partir daquele momento, ai de quem continuasse desrespeitando a autoridade dirigente. Foi às duas da tarde. No dia seguinte, pela manhã, não viu Mariano ou Viggio em Marechal Hermes. Telefonou ao técnico, que o atendeu, pelas 11, voz de ressaca monumental. Borer, o Dé, o Ademir e o PC nos convidaram a um papo, pra selar a paz, mostrar boas intenções e terminamos às sete horas, todos bêbados. São bons meninos’.” (1)

Um dos ‘bons meninos’ declarou à Placar Magazine que Hélio Viggio e Luiz Mariano lhe “disseram que às vezes ficam até com pena de prender assaltantes à mão armada. O cara é preso, apresenta a carteira assinada e explica: ‘Como posso viver com o salário mínimo se tenho aluguel para pagar e família para comer? Não dá, doutor, tenho que assaltar’. Um drama, né?(5)

Rubens Lemos conclui que “desmoralizado de uma vez pela malandragem, Borer resolveu desmontar o camburão, vendendo, com dificuldade, peça por peça, até 1979.” (1)

Texto e pesquisa de Rui Moura (editor do blogue Mundo Botafogo).

(3) http://www.toponimiainsulana.com.br/luiz_mariano_dos_santos.html; Assembleia Legislativa de Estado do Rio de Janeiro; ‘Folha de S. Paulo’, de 19 de outubro de 1994; ‘O Globo’, de 02.07.1982, 12.11.1994,12.10.2011 e 12.10.2013.
(5) Placar Magazine, 01.06.1979, p. 49.

10 comentários:

Carlos Eduardo disse...

A questão no meu ponto de vista é que esse time do camburão teria dado certo se fosse com qualquer presidente anterior ao Borer,pois pelo que eu vejo a maior parte do plantel provavelmente era de esquerda,e com um presidente com parentesco politico com gente extremissima crueldade pelo lado dos militares.É claro que ia virar uma baderna sem fim e de nada adiantou colocar esse tipo de gente lá dentro(seja preparador fisico ou tecnico) pq esse povo entendia é de outras coisas.
Enfim,como sofreu o Botafogo nesses anos pós 68.
Ruy,como deixaram um cara como o Borer ser presidente do BOTAFOGO.
Acho q de duas,uma.
Ou o clube tava numa crise enorme e ninguém da torcida sabia a não ser a própria diretoria.
Ou ninguém queria pegar uma terra arrasada e por isso "situação e oposição se uniram" pra escolher um boi de piranha pra comandar o clube.
Ou teve algum outro motivo????
No fim da primeira decada coisa parecida aconteceu com o Mauricio Assumpção e estamos colhendo os frutos podres até hoje.
Abraços,Ruy!!!

Ruy Moura disse...

Carlos Eduardo, o Botafogo vinha de gestões onde os dólares os torneios parece que se evaporaram por aí. Então o Botafogo tornou-se um Clube devedor, e o Rivadávia acreditou que teria que vender o patrimônio sob pena de falrmos.Claro que o Flamengo não acreditava nisso, e sendo o outro clube também em falência financeira, continuou em frente crente que jamais um grande clube não teria soluções. E recuperou. Os 'burros' do Botafogo pensavam que a coisa só se resolvia à antiga, alienando patrimônio. Sucede que a gestão patrimoliasta estava morrendo e o Flamengo desenvencilhou-se de outro modo, enquanto o Botafogo preparou a venda da sede ainda na diretoria do Rivadávia, deixando praticamente tudo pronto para a assinatura de venda. E quem queria assumir o Clube em falência, assinar e vender a Sede para não falir?... Bem... Foi Borer...

Abraços Gloriosos.

Anónimo disse...

NA FOTO ESTÁ ESCRITO CREMILSON - O QUE ESTÁ ERRADO . A MIM ME PARECE SER RENÊ

Ruy Moura disse...

Publiquei a foto tal como a 'comprei'. Às vezs acontece isso nas reproduções. E não sei quem será no lugar de Cremilson. Fica a nota.

Gloriosos Abraços Estrelados!

Unknown disse...

Estava ouvindo o programa da Super Rádio Tupi apresentando por Gilson Ricardo com participações de Gerson Canhotinha, Dé o Aranha e Reinaldo quando à certa altura surgiu na resenha a história do time do camburão do Botafogo de 1977, eu na época tinha 5 anos, não me recordo, mas achei uma das mais ricas histórias do futebol raiz, de um time apesar dos resultados que não levaram à títulos era recheada de craques.

Ruy Moura disse...

Recheada de craques sem compromisso, enquanto a equipe de 1993 tinha compromisso e não craques. A de 77 ganhou zero; a de 1993 ganhou a única Taça Internacional oficial do futebol do Botafogo. É assim... mais vale uma equipe média comprometida do que muitos galos num só poleiro sem comprometimento...

Abraços Gloriosos, companheiro.

Gato Amarelo disse...

Na foto o segundo após Ubirajara é Renê e não Cremilson. Grato.

Ruy Moura disse...

Obrigado, fica o registro. Há sempre alguns enganos na mídia.
Abraços Gloriosos.

Unknown disse...

Marco Antonio no lugar do Cremilson

Ruy Moura disse...

Introduzida nota sob a imagem.
Abraços Gloriosos.

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