segunda-feira, 21 de março de 2022

Sérgio Sampaio (IX) – O mito camoniano e a poesia do ‘Rei do Mundo Botafogo’

Preâmbulo do editor do Mundo Botafogo

O texto que se segue constitui uma singela e derradeira homenagem do Mundo Botafogo a Sérgio Sampaio, «umpoetinha», revendo, através de Gilberto Mendonça Teles, as linhas mestras da complexidade da sua poesia camoniana mesclada com o realismo de Machado de Assis e o modernismo de Carlos Drummond de Andrade, bem como uma clara ligação a Fernando Pessoa quando este esboça uma genealogia mítica marcada pelo ilimitado tom ufanista de Camões, devolvendo-se, deste modo, o poeta Sérgio Sampaio às suas origens eruditas – ao PANTEÃO DA POESIA.

O mito camoniano: a influência de Camões na cultura brasileira

por GILBERTO MENDONÇA TELES

Professor de Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica e da Universidade Federal do Rio de Janeiro; excerto do artigo “O mito camoniano: a influência de Camões na cultura brasileira”

"Há superabundantemente Camões em nossa poesia." A afirmação um tanto impressionista de Tasso da Silveira serviu de guia para uma pesquisa que, durante quase dez anos, fizemos na poesia brasileira, lendo os poetas antigos e os novos, os esquecidos e os mais louvados pela crítica e, o que foi também estimulante, lendo a maioria dos poetas regionais, escondidos nos seus Estados, mas, como todo escritor, engajado numa tradição literária, cujo ponto mais elevado na cultura brasileira tem sido mesmo o nome de Camões.

Outro aspecto gratificante é que de dois anos para cá estendemos a pesquisa aos escritores de ficção e já contamos hoje com um bom material que deverá ser mais tarde aproveitado noutro estudo sobre Camões. Assim, a esta altura podemos tranqüilamente afirmar que todo poeta brasileiro, do maior ao menor, pagou algum tributo de admiração a Camões. Não existe sequer uma exceção nos poetas mencionados nas nossas histórias literárias.

Quando se ouve dizer, por exemplo, que os modernistas romperam totalmente com o passado e com os clássicos, o ruim é que muita gente costuma acreditar, sem se dar conta de que os grandes poetas são sempre considerados gênios e, como no caso de Camões, escapam até às tiradas demagógicas dos que se proclamam reformadores.

Nos livros mais revolucionários de 1922, como é o caso de Paulicéia desvairada, se podem ler as marcas visíveis da epopéia camoniana.

Mesmo os poetas de vanguarda, como Affonso Ávila, Décio Pignatari e Augusto de Campos, não escaparam à magia da tradição ou da obra de Camões. E é fascinante saber que os dois maiores escritores brasileiros, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, são os que mais fizeram referências, alusões, paráfrases, enfim, reapropriações inteligentes do discurso camoniano, épico e lírico.

É, pois, inegável que a corrente camoniana não só dominou em todo o nosso período colonial como não chegou sequer a ser desativada nos períodos mais interessantes nacionalistas, como no romantismo e no modernismo. O que mudou foi o estilo do ritual camoniano: primeiro, nos tempos de formação da nossa literatura, era a simples adesão imitativa a um modelo estético, como nos séculos XVII e XVIII; a veneração como gênio veio no romantismo; no realismo foi a verificação estético-determinista; o simbolismo procurou explorar a atmosfera trágica do episódio de Inês de Castro; e deu-se afinal o reconhecimento formal com os modernistas.

Em todos os momentos da nossa história literária o pesquisador comprova o tributo de homenagem e de admiração à obra de Camões, cuja epopeia tem servido também de motivos para sátiras político-sociais. O certo é que tanto a obra como o nome de Camões se foram transformando em matéria de pura criação literária.

Verifica-se assim que o poeta da influência camoniana vai do nome do Poeta, citado no texto dos poemas, aos versos e nomes postos em epígrafe e adquirem um sentido maior de intertextualização quando lhe retomam os temas e as formas expressivas, declarando-se conscientemente sob influência de sua obra literária. Deste modo, Camões foi sempre o poeta modelo da poesia brasileira.

Fonte do excerto: TELES, Gilberto Mendonça. “O mito camoniano: a influência de Camões na cultura brasileira”. Revista de Letras, Fortaleza, v. 3/4, n. 2/1, p. 44-72, 1980/1981.

Consulte todos os acrósticos do Poeta Sérgio Sampaio publicados no Mundo Botafogo na banda do lado direito do blogue, Etiqueta 'letras sérgiosampaio'.

6 comentários:

Jatahy disse...

Olá Rui, tudo bem por aí. Muito boa essa série sobre o Sérgio Sampaio, que ao que consta o outro Sérgio Sampaio, cantor e compositor, também era botafoguense. Esse nome é bom. Na esperança de bons ventos.
Saudações Gloriosas
Jatahy (Osmar)

Ruy Moura disse...

É verdade, Jatahy, o Sérgio Sampaio compositor também era botafoguense, tal como o meu amado amigo Sérgio Sampaio poeta. O outro eu não conhecia, este vai me fazer muita falta. Muita gente de cultura é botafoguense. Parece ser um destino pré-escolhido...

Grande abraço, querido amigo.

Lúcia Costa disse...

Oi,Ruy
Belíssima essa tua última homenagem para o nosso querido amigo SÉRGIO. É com uma alegria triste - ou talvez, com uma tristeza alegre- que, SERGIO nos deixa para ocupar o seu lugar de direito no PANTEÃO DA POESIA.
Depois de 10 dias , relembrando o " poetinha " das mais bonitas e variadas formas, as homenagens , aqui no blogue, são encerradas. As luzes da ribalda se apagam. Cai a pesada cortina. Fim do espetáculo. A platéia toda de pé, aplaude incessantemente o grande, o inesquecível poeta SÉRGIO SAMPAIO!
PARABÉNS, RUY!
BEIJOS POÉTICOS!

Anónimo disse...

Agradeço ao Ruy Moura, nosso querido editor , e a Lúcia Senna , nossa eterna e bonita cronista, por todas as homenagens prestadas ao REI DO MUNDO BOTAFOGO, e , creiam, muito me comoveram.
Como era bom ler as crônicas de Lúcia e, em seguida, ler os acrósticos de Sérgio, sempre enaltecendo ( merecidamente, diga-se de passagem ) a Rainha do blog.
Era um sopro de brisa refrescante e necessária, para começar o dia com o astral lá em cima.
Abraços Gloriosos,
EDSON

Ruy Moura disse...

Obrigado pels tuas palavras, Lúcia. Fizemos o que a nossa alma determinou. Não podia ser de outro modo. O Sérgio toca fundo nos nossos corações. Merece todas as palmas do mundo. Encheu a vida e soube encher-se de vida. Glória à sua enorme espiritualidade!

Beijos.

Ruy Moura disse...

Obrigado pelas suas palavras, Edson, mas não tem que agradecer, afinal fomos tantos a dedicar-lhe palavras tão amáveis e de admiração. Mas aprecio muito que as homenagens o tenham comovido tão profundamente. Muito grato pela sua delicadeza e simpatia.

Grande Abraço.

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