por LUIZ | Edição de
Vivian Verissimo | Papo Esportivo | www.brasildefatorj.com.br
«Meu pai tinha
um jeito interessante de ver as coisas. Ele dizia que grandes sofrimentos
sempre antecedem grandes felicidades. Por mais que ele sentisse bastante todas
as dores dos problemas renais que tiraram sua vida em novembro de 2020, ele
nunca deixou que a família se deixasse abater por causa dele.
De um jeito ou de
outro, é preciso continuar vivendo e aprendendo. É o que ele costumava dizer.
As lembranças de
“Seu” Fernando ficaram ainda mais fortes depois do dia 30 de novembro, com a
conquista épica do título da Libertadores pelo Botafogo, time que ele adotou
quando chegou vindo de Angola em 1976. Na época, meu pai fugia da Guerra Civil que
assolou seu país natal por décadas e escolheu o Brasil depois de uma rápida
passagem por Portugal antes de pousar por aqui.
Uma adenda: até hoje
eu não entendo o que levou meu pai (que era torcedor fanático do Benfica nos
seus tempos de juventude e que me contava várias histórias sobre o timaço de
Eusébio, Coluna, Simões e companhia) escolheu o Glorioso como time do coração.
Seja como for, ele sofria pelo Glorioso como se tivesse nascido botafoguense.
Quem entende coração
de torcedor?
Seja como for, a
vitória do seu Botafogo sobre o São Paulo neste já histórico dia 8 de dezembro
de 2024 e a confirmação do tricampeonato brasileiro me fizeram lembrar de
várias coisas que “Seu” Fernando falava sobre futebol, amores, desgostos,
felicidades e tristezas. E a impressão que fica quatro anos depois da sua
passagem é a de que ele tinha uma certa noção do que estava por vir.
Só pra situar vocês.
Consegui realizar dois grandes sonhos do meu pai já nos seus últimos anos de
vida em 2018. O primeiro deles foi levar o “velho” no show histórico do Roger
Waters no Maracanã (nunca vi alguém tão apaixonado por Pink Floyd como ele). E
o segundo foi levar “Seu” Fernando num jogo do Botafogo no Estádio Nilton
Santos.
O jogo, realizado no
dia 30 de setembro daquele ano, foi sofrido e o Glorioso conseguiu o empate em
dois a dois contra o São Paulo em tempos bem mais modestos. Ao invés de Luiz
Henrique, Igor Jesus, Savarino e Bastos (angolano que nem “Seu” Fernando), o
time contava com nomes como Rodrigo Lindoso, Kieza, Luiz Fernando e Rodrigo
Pimpão. Falamos de tática, das escolhas do técnico daquela época (o simpático
Zé Ricardo) e sobre como o Botafogo poderia viver dias melhores. É um dia que
não saiu da minha cabeça por motivos que todos vocês já sabem.
Lembro bem que
emprestei uma camisa retrô da Juventus de Turim que eu tinha pro meu pai não
ficar deslocado no meio da torcida. E foi com essa camisa que eu (torcedor do
Flamengo) vi a final da Libertadores no dia 30 de novembro. Vi a precoce
expulsão de Gregore aos quarenta segundos de partida, vi Luiz Henrique bagunçar
a defesa do Atlético-MG e Júnior Santos (o predestinado) confirmar o título com
um gol bem ao seu estilo.
Nesse dia, eu comecei
a entender o que meu pai queria dizer quando lembrava que grandes sofrimentos
antecedem grandes felicidades. E a ficha caiu de verdade uma semana depois, com
a vitória sobre o mesmo São Paulo que ele viu em 2018 lá no Niltão.
A confirmação do
título do Brasileirão (depois de um jejum de quase trinta anos) fez muita gente
lembrar daquela linda canção de Belchior: “Ano passado eu morri, mas esse ano
eu não morro!”
De fato, o torcedor
do Botafogo pode se considerar um “Sujeito de Sorte” por ter protagonizado um
dos roteiros mais fantásticos de todos os tempos. O mesmo Botafogo que hoje
comemora a conquista do país e da América era tratado como time azarado e
fracassado há um ano. O sofrimento causado pela perda do título mais manjado e
mais certo dos últimos tempos beirava o sobrenatural. Ou aquelas coisas que “só
acontecem ao Botafogo”.
Me perdoem a ousadia,
mas era como se o Glorioso, se o clube que revelou Garrincha, Didi, Amarildo,
Jairzinho, Nilton Santos e outras lendas precisasse passar por tudo que passou
em 2023. Pelas piadinhas, pela ridicularização, pelas humilhações e pela
descrença de todos.
Grandes sofrimentos
antecedem grandes felicidades.
Eu chorei que nem uma
criança no colo da minha esposa depois da decisão da Libertadores agarrado à
camisa da Juventus que meu pai usou quando foi ver aquele jogo Botafogo lá em
2018. Uma semana depois, eu e minha mãe nos abraçamos depois que o Glorioso
confirmou a conquista do terceiro título nacional de sua brilhante história.
E eu digo com toda a
sinceridade que eu queria muito que “Seu” Fernando estivesse aqui pra ver um
jogador do seu time falar que “Angola é Botafogo”. Pra ver o zagueiro Bastos
desfilando o futebol africano aqui por estas bandas. E pra ver que o sofrimento
deu sim lugar à felicidade.
Imaginem só como o
“velho” estaria hoje...
Num mundo onde se
vende tanta ilusão de sucesso, onde se prometem meios fáceis de ganhar
dinheiro, promovem jogo do tigrinho e plataforma de aposta como se fosse
supermercado anunciando promoção de cerveja e picanha, a lição que o Botafogo
deixa pra gente nessa semana GLORIOSA é valiosíssima.
Trabalhar sério e se
manter firme diante de tanto sofrimento e não perder as estribeiras é para os
fortes, minha gente. Fortes como o atual campeão brasileiro e da América.
Fortes como o
Botafogo.
Fortes como todos
aqueles que saem das suas casas todos os dias para trabalhar confiando que o
dia de amanhã será melhor.
Fortes como os que
não se deixam derrubar com o sofrimento ou a tragédia. E mais fortes ainda que
se permitem chorar, gritar ou até pedir um tempo pra recuperar as forças.
Fortes como os que
buscam ajuda quando não conseguem se levantar sozinhos.
Espero que você
esteja bem aí no andar de cima, “Seu” Fernando. A gente vai tocando as coisas
por aqui. Sem desanimar, sem reclamar (muito) e sem deixar que a vida se torne
um peso (na medida do possível).
Beijo grande do seu
filho Luiz.»
Fonte: https://www.brasildefatorj.com.br/2024/12/09/botafogo-campeao-e-as-coisas-que-eu-aprendi-com-meu-pai
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