sábado, 3 de julho de 2010

Aproveitar a lição

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No dia 26 de Junho passado, sob o título ‘Uma Queda Anunciada: o futebol europeu de seleções’, Emerson Gonçalves, supostamente entendido em futebol, escreveu isto (excerto escolhido por mim) no blogue 'Olhar Crônico Esportivo' em Globoesporte.com:

[http://globoesporte.globo.com/platb/olharcronicoesportivo/2010/06/26/uma-queda-anunciada-o-futebol-europeu-de-selecoes]

“Em post de ontem, o Telmo Zanini tocou no assunto e creditou essa queda, constatada pela classificação de sete das oito equipes americanas e pela eliminação de monstros sagrados, como Itália e França, à utilização cada vez maior de jogadores estrangeiros em suas equipes de ponta. Chegamos ao absurdo de, recentemente, vermos o campeão inglês sem nenhum jogador nascido na velha Albion em sua formação titular. Mais recentemente, o atual campeão europeu conquistou o título sem nenhum nativo da Bota. Como disse o Telmo, é mais fácil, cômodo, barato e com ótimos resultados, vestir a velha roupagem colonialista e buscar a melhor mão-de-obra disponível nas velhas (velhas?) colônias. No caso presente, o melhor pé-de-obra.

Essa preferência resulta na formação de times de clubes fortes e selecionados nacionais fracos, mesmo com algumas inclusões de pé-de-obra colonial em suas fileiras. Os nativos europeus não têm intimidade com as grandes conquistas, jogam em equipes menores ou são personagens secundários em times de ponta. Não têm estofo vencedor.

Concordo totalmente com essa colocação.”

Estas simples palavras poderiam servir-me para desmontar muitos preconceitos e complexos, mas não vou fazê-lo por indiferença face ao desconhecimento claro e inequívoco das realidades futebolísticas no mundo do futebol que muitos ‘líderes de opinião’ apresentam.

Vou referir apenas dois dados preliminares.

1. A Itália e a França partiram para o mundial destinadas ao fracasso devido a uma equipa italiana já fora de tempo e uma equipa francesa estraçalhada por problemas gravíssimos anteriores ao mundial.

2. A Argentina e o Brasil (tal e qual como Portugal) dificilmente poderiam ter sucesso neste mundial devido a estruturas federativas autoritárias e inoperantes, comissões técnicas incompetentes, equipas desequilibradas setorialmente e falta de espírito de grupo entre os jogadores. Desse modo não há Cristiano Ronaldo, Messi ou Robinho que resistam…

Diziam por aí, os arautos do estado comatoso do futebol europeu, que ‘cheirava’ a final entre a Argentina e o Brasil. E a mim ‘cheirava-me’ a que nem sequer chegariam às semifinais quando tivessem que enfrentar as grandes equipas da Europa, federativamente estruturadas, tecnicamente competentes, setorialmente equilibradas e portadoras de forte espírito de grupo.

E agora os dados objetivos que me deram razão:

1. As equipas sul-americanas que se classificaram para as oitavas-de-final não enfrentaram, nessa fase, nenhuma equipa europeia: a Argentina eliminou o México, o Brasil eliminou o Chile, o Paraguai eliminou o Japão e o Uruguai eliminou a Coreia do Sul.

2. As únicas três equipas europeias eliminadas nas oitavas-de-final foram-no por outras seleções europeias: a Alemanha eliminou a Inglaterra, a Espanha eliminou Portugal e a Holanda eliminou a Eslováquia.

3. Nas quartas-de-final três equipas sul-americanas enfrentaram, finalmente, os europeus e foram todas eliminadas: a Argentina foi goleada pela Alemanha, o Brasil perdeu para a Holanda e o Paraguai foi eliminado pela Espanha. A única equipa sul-americana sobrevivente eliminou a única equipa africana em prova.

4. Restam três equipas europeias e o Uruguai, que enfrentou apenas uma equipa asiática e outra africana nas eliminatórias.

Em suma, o futebol europeu predominou. Mesmo que o Uruguai – embora eu não creia nisso – vá à final e seja campeão (Alô, Loco Abreu!), a verdade é que – à exceção dos ‘desastres anunciados’ de Itália e França – as equipas europeias venceram as equipas sul-americanas nos confrontos de eliminação direta, o que se tornará absoluto se o Uruguai for eliminado pela Holanda.

Não pense o leitor que fiz afirmações com alguma ponta de ‘prazer mórbido’. Não o fiz claramente por isso, até porque desde o início da copa eu tenho torcido pelo Uruguai de Loco Abreu. Ao contrário, desejo que haja equilíbrio no futebol mundial e que as equipas africanas e asiáticas também se tornem competitivas – nem poderia ser de outro modo para uma pessoa que defende o desenvolvimento sustentável do planeta e dos povos. Digo-o, sobretudo, por duas razões: (i) para denunciar argumentos preconceituosos e complexados de líderes de opinião esportiva supostamente entendidos em futebol, que querem 'tapar o sol com a peneira' e partem de pressupostos incorretos que invalidam qualquer raciocínio posterior; (ii) para refletirmos seriamente sobre a estruturação do nosso clube – o Glorioso Botafogo de Futebol e Regatas.

Creio que este mundial mostrou que equipas estruturadas, tecnicamente bem comandadas e geridas com equilíbrio são as únicas capazes de serem competitivas. Talvez o leitor se tenha interrogado porque é que o melhor futebol, quer da Argentina quer do Brasil, não vingou e o do Uruguai, teoricamente inferior, vingou. Adivinhou, caro leitor?... É que os uruguaios demonstraram muito mais estruturação, discernimento, vontade e espírito de equipa. Tal como o Gana, que tem um técnico há muito mais tempo a estruturar o futebol daquele país, enquanto as outras equipas africanas ‘alugam’ treinadores europeus e sul-americanos por uns meses apenas… e por isso o Gana foi bem mais longe do que as outras equipas africanas (que se não fosse o ‘milagre’ da ‘mão do deus Suarez’, estaria na semifinal no lugar do Uruguai).

Muito ao jeito das estruturas federativas sul-americanas frágeis e das estruturas brasileiras corroídos pelos interesses clubistas e pelos privilégios dados a certos clubes, o nosso Botafogo também alinha nessa ‘maré de facilitismo’ em vez de construir, paulatinamente, uma equipa dificilmente transponível que resgate a glória do passado. O momento, como se vê, pode ser favorável: as estruturas futebolísticas federativas e dos clubes são, na generalidade, obsoletas e nós podemos trilhar o caminho da vitória.

Porém, não o faremos se o Conselho Deliberativo, a Diretoria e os torcedores exigentes não discernirem o verdadeiro caminho a trilhar. Creio que o valor e a qualidade das próximas contratações para o plantel do Botafogo, ainda a tempo de disputar o campeonato brasileiro, ditarão se seremos uma Argentina com um ataque e um meio campo fabulosos e uma defesa absolutamente desastrosa ou se, pelo contrário, conseguiremos construir uma equipa à moda da Europa central – estruturalmente planificada, gerida por uma comissão técnica inteligente e não autista, composta por um plantel equilibrado e beneficiária de um vestiário coeso em que a ambição, o discernimento e a vontade serão o lema central de quem aposta em ser um vencedor.
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