quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O Santos e o futebol brasileiro


por Rui Moura

Em minha opinião o Santos possui a melhor equipa de futebol do Brasil, quiçá do continente sul-americano. Foi disputar o mundial de clubes, foi goleado logo no 1º tempo, levou baile, podia ter tomado mais uns três gols no 2º tempo, quase não tocou na bola e saiu pela porta baixa perante um superfavorito.

Eu esperava exatamente isso. Evito manifestar-me, mas toda a ‘preparação’ anterior de Muricy, desconsiderando o campeonato brasileiro e sonhando com o mundial de clubes, estava marcada pelo insucesso, porque as equipas brasileiras estão a anos-luz dos melhores da Europa, não sabem quase nada de táticas modernas, de metodologias de preparação física, de treino coletivo. Na verdade, impera o ‘rachão’ em vez da preparação cuidada. A prova evidente da falta de consistência do futebol brasileiro é que Muricy, o único grande treinador brasileiro, à última hora, sem treinar a tática, entrou em campo com um frágil 3-5-2 que não preparou previamente, apesar dos meses em que ‘protegia’ a equipa e a ‘preparava’ para o evento.

Além da goleada, do baile e do vexame absoluto de uma equipa que tocou na bola apenas 23% do tempo, o senhor Neymar, no final do jogo, parece que virou pedinte e rogou a Guardiola para o contratar, e o senhor Ganso parece que afirmou que gostaria de jogar no Barça nem que fosse por um dia – pobres coitados que nem sonham o que foi realmente o futebol brasileiro... Eles serão mesmo ‘cidadãos’?... E ‘cidadãos’ brasileiros?... Do futebol pentacampeão do mundo?... Do país que reinventou o futebol moderno da segunda metade do século XX?...

A melhor equipa sul-americana, com jogadores ‘submetidos’ ao poder do Barcelona, foi ao Japão mostrar que o futebol brasileiro e o futebol sul-americano de clubes estão nas ruas da amargura. Que já não existem grandes equipas de outrora: Boca Juniores, River Plate, Independiente, Peñarol, Nacional, Santos, São Paulo, Vasco da Gama, Botafogo…

E o mais grave é que se atribui a formidável superioridade do Barcelona exclusivamente ao… Barcelona! Isto é, parece que a lição não vai ser tomada: entender que é urgentíssimo renovar a lógica dos órgãos federativos e confederativos brasileiros; relançar as estruturas organizativas do futebol dos clubes; retomar as escolas de craques do futuro; redefinir regras de gestão dos jogadores brasileiros – que mal sabem jogar um pouco de futebol e emigram para a Europa; profissionalizar os departamentos de futebol e rever os processos negociais de atletas; gerir plantéis com objetividade e não com paternalismos absurdos que permitem aos jogadores usufruírem de estatutos diferentes num mesmo clube; alterar profundamente os padrões de arbitragens que prejudicam todo o futebol brasileiro com as decisões dos seus atrozes apitos dentro de campo; lançar escolas de treinadores e reciclar os melhores com aprendizagens de futebol para o século XXI, etc.

Ao atribuir o descalabro santista apenas ao poderio espanhol é omitir que o Santos também não tem equipa para competir com o Real Madrid, o Manchester United, o Chelsea, o Manchester City, o Arsenal, o Bayern de Munique, o Milan, a Internazionale, quiçá, o Porto, o Benfica, o Liverpool, etc. Não tem o Santos nem nenhuma equipa sul-americana. A Europa ganhou em toda a linha no futebol, enquanto a América do Sul perdeu em toda a linha, vivendo num passado incapaz de armar o futuro: não inova em táticas, não produz treinadores de ponta, não segura atletas, não sabe gerir plantéis, não tem árbitros credíveis, não possui administrações profissionalizadas… Tudo se faz em cima do joelho, às vezes com muita garra e voluntarismo, mas sempre sem preparação e sem profundidade.

Por exemplo, a montagem deste Barcelona começou com uma opção claríssima da gestão catalã: dispensar Ronaldinho Gaúcho e Deco, que se mostravam displicentes, pouco disciplinados e notívagos, e dar todo o destaque a Messi, um sujeito profissional e disciplinado, para que o Barça tivesse um verdadeiro atleta carismático disposto a dar tudo ao clube catalão.

Enquanto o Barcelona fez isso, o Flamengo deixa que Ronaldinho Gaúcho faça o que quer, quando quer e onde quer, sucedendo a Adriano nos privilégios – que também foi dispensado pelos italianos. A imagem do futebol brasileiro é a de que tudo é possível, que a corrupção impera e que se chegou à sensação de impunidade de atletas que posam ao lado de traficantes com metralhadoras ou são presos sob a acusação de assassinarem a amante. A agora até os árbitros parece que não escapam às teias da lei…

Antes do jogo Barcelona x Santos pensei que uma goleada e um baile colossal poderiam levar um país inteiro a repensar-se no futebol; pensei que o eclipse de Neymar – que eu também esperava – poderia pôr fim aos disparates e à sua comparação com Messi ou Cristiano Ronaldo ou Iniesta ou outro qualquer, que são verdadeiros ‘monstros’ de trabalho semana após semana, numa fase em que Neymar ainda não passa de um imberbe jogador de futebol que se rebela contra o treinador e tem o apoio do clube nesse ato; admiti, também, que as fífias que eu esperava acontecerem na defesa do Santos – e que se confirmaram – poderiam mostrar como o futebol brasileiro não sabe armar defesas modernas e continua ilusoriamente a pensar em equipas de ataque à maneira de Pelé, Garrincha, Jairzinho, Rivelino e outros craques; durante o jogo pensei que os chutões da defesa do Santos para um Neymar isolado mostrassem a todos que é isso mesmo que acontece com as equipas brasileiras no campeonato nacional e evidenciam a absoluta falta de qualidade deste mau futebol que vivemos, e cujos craques acabam todos por jogar além fronteiras.

O que nunca pensei foi que os brasileiros inventassem um novo esquema à equipa espanhola: o 3-7-0. Quem afirma uma tal aberração está absolutamente desfocado do que é a flexibilidade do futebol europeu e a plasticidade de movimento do time catalão; o esquema do Barcelona são vários esquemas que se desdobram à medida do próprio movimento da bola – tanto é um 3-6-1 como um 4-3-3, um 2-5-3 ou um 3-5-2.

No entanto, há condições para mudar e melhorar, com trabalho persistente e consistente, mas é necessário admitir que a maioria do que se faz no futebol brasileiro não se mostra apropriado ao futebol moderno. Porém, tudo pode continuar na mesma por largo tempo, já que a final do mundial de clubes não parece ter sido suficiente para o futebol brasileiro se aperceber que o rei pentacampeão vai nu.

Neymar, esmagado ao clube catalão que não fez mais do que tem feito nos últimos três anos, disse que “o Barcelona ensinou a jogar futebol”; mas não disse o mais importante. E João Havelange já não tem a influência de outrora…

6 comentários:

Anónimo disse...

Belíssimo texto, retrata com fidelidade ímpar o momento negativo do futebol sul-americano, que se arrasta em campo e fora dele motivado pela escandalosa rede de corrupção que alimenta os mais variados setores da economia vinculados ao futebol.

Somente a audiência sem qualidade da Rede Globo para aceitar a possibilidade de um clube brasileiro contrapor aos grandes europeus.

Estes jogadores cogitados para defender a outrora temida Seleção no Mundial 2014 não sao forjados no trabalho, na objetividade e no respeito.

Na verdade, mais parecem um produto idiotizado da TV, acreditar que a manutenção do Neymar no Santos corresponde a uma mais-valia para a Seleção Brasileira é o maior exemplo de como se produz uma análise furada sustentada no ufanismo idiota e pretensioso.

Um abraço e parabéns novamente pelo seu belo arrazoado, Rui.

Léo

Lorismario disse...

Caro Rui. Você viu como o time da Universidad do Chile ganhou os jogos da Sul-Americana? O que você achou? Para mim é o melhor time da América do Sul. Loris

Ruy Moura disse...

Acertou em cheio, Léo. Os interesses pessoais alheios ao desporto estão a destruir o futebol brasileiro. É tudo mau demais. Que saudades daquelas seleções brasileiras que se preparavam seriamente para as disputas, como por exemplo a equipa de 1970!

Com Dunga ou Mano Menezes e as firulices do Neymar tenho sérias dúvidas sobre o futuro. A não ser que as arbitragens estejam bem industriadas para 2014... Mas sem a influência de Havelenge vai ser difícil...

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Vi muito pouco, Loris. Talvez tenhas razão, mas em todo o caso o futebol do Santos é bonito. Falta mesmo é outro tipo de treino, de táticas e de profissionalismo a sério dos atletas.

Espanta-me como é que o Muricy disse que estudara o Barcelona durante seis meses. Sério? Estudou? Então porque é que os santistas se surpreenderam com aquele futebol? E porque é que o Muricy arrumou uma tática à última hora? E como não resistiu nem um pouquinho à máquina catalã? Falta muito para esta gente se profissionalizar seriamente...

Abraços Gloriosos.

Émerson disse...

Rui,
A sociedade brasileira é corrompida, seja na política, nos meios sociais, na imprensa... não seria no esporte?
Enquanto vivermos sob a ditadura da Rede Globo, de Ricardo Teixeira, apoiados pelos stjd da vida e pelas anaf da vida, o futebol brasileiro agonizará.
Não há perspectivas boas para o futuro próximo. Há, sim, a iminência de um novo maracanazo, em 2014.
Quanto a Muricy, acho-o um arrogante despreparado, talvez um pouquinho acima dos demais. E essa garotada que sonha jogar no Barcelona, não viu os melhores anos do futebol brasileiro.
E o nosso Glorioso também agoniza, com uma diretoria inepta, para dizer o menos, muito abaixo do Santos.

Ruy Moura disse...

Concordo, Émerson. É urgente que o país comece a dar o salto qualitativo da não corrupção e que o futuro não me parece risonho. Os treinadores são mauzinhos... O Muricy é o único acima da média, mas também concordo que não está suficientemente preparado, porque os treinadores brasileiros, ao contrário dos europeus, não se reciclam, não estudam, não se atualizam pela cátedra, mas apenas pelo dia a dia dos ajustes práticos.

Essas parangonas do Barcelona me parecem exageradas. O que se passa é que o futebol ficou meio feio e o Barcelona joga bonito, mas não é superior aos melhores tempos do Ajax ou do Liverpool ou do Bayern de Munique ou do Real Madrid dos anos sessenta.

E não me parece que o Messi seja melhor do que Pelé, Maradona, Ronaldo Fenómeno ou Cristiano Ronaldo. Ou pelo menos tão melhor como apregoam. Acho que estão todos virando gente submissa a uma equipa que joga bonito, mas também tem os árbitros a seu favor.

A seguir escreverei sobre o Botafogo, e até estou com receio disso.

Abraços Gloriosos.

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