Em
Portugal e no resto da Europa existe uma grande regularidade no que respeita ao
desempenho das melhores equipas, salvo breves exceções que confirmam a regra.
Os
títulos do campeonato português são sempre disputados entre Benfica, Porto e
Sporting; o espanhol entre Real Madrid e Barcelona; o inglês entre Arsenal,
Chelsea e Manchester United (uma única exceção nos últimos 18 anos com um
título do Manchester United); o italiano entre Internazionale, Juventus e
Milan; o alemão entre Bayern München e Borussia Dortmund, predominantemente;
apenas o campeonato francês, após o heptacampeonato conquistado pelo Lyon, tem
sido dividido entre diversos times.
Quer
isto dizer que não é absolutamente nada normal que se verifique grandes
oscilações na colocação dos grandes clubes europeus dos principais campeonatos.
Porém, como sempre se diz que a exceção confirma a regra, em Portugal o
Sporting classificou-se em 7º lugar na temporada passada e atualmente – com
mais de metade do campeonato decorrido – encontra-se na vice-liderança. Quer
dizer, também, que após a pior temporada em 107 anos de existência do clube, e
com um orçamento seis vezes inferior aos do Benfica e do Porto, não seria
previsível uma grande campanha este ano. Mas está a ser uma grande campanha
porque a diretoria mudou e com ela veio a mudança de tudo aquilo em que o
Sporting persistiu erradamente nos últimos 12 anos.
Adianto,
desde já, que a opinião que agora publico pretende mostrar que as mudanças
radicais são possíveis com diretorias competentes e que as opções relativas a
diretor de futebol, comissão técnica, departamento médico e gestão do plantel
são cruciais no competitivo futebol moderno.
“Existe um clube em
Portugal [o
autor deste excerto refere-se ao Sporting]
que há um ano estava pelas ruas da amargura. Jogadores a receberem muito e a
jogarem pouco. Treinadores contratados e despedidos. Necessidade de vender
ativos abaixo do preço de mercado para equilibrar contas. Vontade de jogadores
abandonarem o clube porque “não queriam lutar pelo 5º ou 6º lugar”. Uma massa
associativa que passava grande parte dos jogos em casa mandando o líder da
direção do clube para uma certa parte da anatomia humana. Hoje, esse mesmo
clube está nos lugares da frente do campeonato português, metade do seu onze
habitual é vindo da sua Academia e onde quer que jogue tem milhares de adeptos
a apoiar, faça sol ou chuva, jogue num relvado ou num batatal. E, hoje, o tal
jogador que não queria jogar para o quinto ou o sexto lugar está num clube que
ocupa um oitavo lugar. Alguém sabe como se diz “é tramado” em holandês?” [o
autor refere-se ao tal jogador, que é holandês] – jornal Record, coluna de
Vasco Palmeirim, 20.01.2014
O
novo presidente do Sporting contratou um diretor de futebol sportinguista, um
técnico sportinguista, livrou-se de quem ganhava muito e jogava pouco, foi
contratar bem novos jogadores a clubes pouco conhecidos, blindou toda a equipa
com cláusulas de rescisão elevadas e os melhores atletas da Academia foram
promovidos ao time principal.
O
desinteresse dos jogadores na temporada passada foi completamente anulado.
Veja-se, após um jogo dificílimo num gramado em péssimas condições devidos às
chuvas, em que os adversários esperavam que o Sporting sucumbisse, eis que
ganhou o jogo de virada e os atletas expressaram-se hoje nos seus meios de
comunicação pessoal assim:
-
“Mais uma grande vitória! Glória a Deus!
Parabéns a todos pela luta até ao fim.” – Maurício, no facebook.
-
“Nada nos pode deter!” – Slimani, no
facebook.
-
“Grande vitória num campo impossível de
jogar! Orgulhoso da minha equipa e dos adeptos que apoiaram, apesar do mau
tempo! Grandes!” – Capel, no twitter.
-
“É assim mesmo, ‘bora Sporting!’ Outra
grande vitória, com entrega e sacrifício. Parabéns a toda a equipa e perdão por
vos deixar com um a menos!” – Rojo, no twitter.
-
“Com esta união, com todos os que
representam e seguem o Sporting em qualquer sítio, vamos longe! Grande vitória!”
Adrien, no instagram.
-
“Todos juntos.” – Rui Patrício, no
instagram.
-
“O que não nos mata, torna-nos mais
fortes. Obrigado a todos aqueles que, mesmo com a chuva, não deixaram de nos
apoiar. Isto é o Sporting!” – André Martins, no instagram.
-
“Sabe sempre bem fazer estas viagens
depois de uma grande vitória. Isto é união, uma grande família… Em grande!”
– Wilson Eduardo, no instagram.
Uma
1ª grande lição – relativa aos adeptos – que pode ser dada a Maurício
Assumpção, a Oswaldo Oliveira e à maioria dos jogadores que criticaram a
torcida botafoguense por se afastar dos estádios: não é a torcida que tem que
apoiar custe o que custar; é o time que tem que conquistar a torcida custe o
que custar, tal como o time fez com os sportinguistas de sofá que passaram a ir
em peso a todos os jogos do Sporting batendo recordes de bilheteira.
Uma
2ª grande lição – relativa ao presidente – é a de a diretoria se rodear de
gente capaz: contratar dirigentes para o futebol, comissão técnica e
departamento médico que sejam preferencialmente torcedores do clube e que,
simultaneamente, sejam competentes.
Uma
3ª grande lição – relativa ao diretor de futebol – é que é fundamental saber
gerir um plantel: livrarmo-nos de quem ganha muito e joga pouco; ter ‘olheiros’
por esse mundo fora em busca de jogadores de oportunidade, que sejam
relativamente baratos, contribuam bastante para o clube e depois sejam vendidos
a preços muito mais elevados. A esta lição pode-se agregar a questão da
‘blindagem’ dos atletas mediante cláusulas de rescisão elevadas e o equilíbrio
numérico do plantel, que deve ser rondar entre 25 a 28 atletas efetivos. O
Sporting possui um Plantel A com 20 atletas apenas e um Plantel B com 26
atletas oriundos da Academia que disputam a 2ª divisão e podem, a qualquer
momento, integrar o plantel principal (em Portugal, os clubes podem ter equipas
B na 2ª divisão para fazerem rodagem de atletas, mas não podem ascender à 1ª
divisão).
Uma
4ª lição – relativa ao treinador e ao corpo clínico, e que adiante se explicitará
– é que hoje em dia os treinadores e os médicos também ganham jogos, isto é, as
metodologias de treino e de preparação física, as escalações adequadas face ao
adversário, a boa leitura de jogo, as mudanças táticas durante a partida e as
substituições à medida, são elementos cruciais que alimentam o sucesso (ou o
insucesso) dos protagonistas em campo.
No
último jogo do Sporting já se esperava um campo muito difícil, que favorecia o
Arouca, equipa da casa, a subir de rendimento. Então, o treinador projetou que
era natural que fosse necessário mudar de tática na 2ª parte e fazer entrar
Slimani para resolver o jogo, já que o argelino tem sido a ‘arma secreta’ que
salta do banco para marcar o gol da vitória. Sucede, porém, que Slimani tinha
um traumatismo nos gêmeos e apenas pode realizar um treino durante a semana de
modo a estar apto para o jogo contra o Arouca. Mas a sua aptidão não duraria 90
minutos e o treinador fez a sua previsão para o caso de ser necessário lançá-lo,
como efetivamente foi. Ouçamos o treinador Leonardo Jardim sobre Slimani, após
o jogo:
“Só podia jogar 30 a 40 minutos e tivemos de
o gerir ao máximo. Foi extremamente útil, pois é dos jogadores que melhor se
adapta a este tipo de jogo. No final do encontro, se repararam, já apresentou
algum desgaste físico”.
E
foi assim que Leonardo Jardim lançou Slimani, efetuou mudanças táticas com a
sua entrada e o argelino obteve o gol da vitória 18’ depois, cumprindo a missão
prevista.
Em
suma, é possível ao Sporting possuir um plantel de 20 atletas, metade dos quais
oriundos da Academia, gerido a ‘pinças’ pelo seu treinador e pelos responsáveis
da preparação física, mesmo em circunstâncias difíceis. Ademais, é fundamental
precaver as contusões; existem técnicas modernas de gestão dos atletas evitando
as lesões. O caso de Cristiano Ronaldo é exemplar, porque o acompanhamento
constante da sua preparação física permite-lhe não ter lesões devido à robustez
física que foi ganhando ao longo dos anos – e que lhe permitirá, provavelmente,
fazer uma carreira mais longa do que muitos dos melhores jogadores da
atualidade.
Alguns
‘segredos’ para melhores performances são fundamentais: os conselhos de Seedorf
aos seus companheiros de equipa – à falta de sabedoria do treinador – foram
fundamentais, por exemplo, para o grande desempenho de Fellype Gabriel e de
vitinho. Repare-se que foi depois de Seedorf aconselhar FG sobre a forma como
devia gerir os quilómetros que fazia em campo que o seu desempenho disparou,
tal como no caso de vitinho, e que foi a sua orientação em campo – à falta de
orientação de um treinador incapaz de ler adequadamente o jogo e de fazer
mudanças táticas – que permitiu chegarmos nos lugares da frente no último
campeonato brasileiro.
Seria
muito bom que as minhas opiniões, fundadas em muitas leituras de peritos
internacionais de futebol, servissem de alguma coisa ao nosso Botafogo – mas
parece que toda a minha conversa de anos é desperdiçada por aqueles que dentro
do clube lêem o Mundo Botafogo. Desde o tempo de Emil Pinheiro – e com a
exceção honrosa de Bebeto de Freitas, que foi cilindrado por não aceitar
pactuar com as matreirices dos cartolas – que o Botafogo não tem diretorias
capazes, porque Montenegro, Palmeiro, Rolim e Assumpção são farinha do mesmo
saco. Após a conquista do Brasileirão de 1995, Montenegro desmanchou o time
para a Libertadores, em vez de reforçá-lo. Assumpção desmanchou dois times em
meados de 2012 e 2013 e prepara-se para iniciar a Libertadores com um treinador
sem experiência e um plantel com inúmeras saídas neste início de ano, sem que
ainda esteja definido o plantel definitivo a uma semana de se iniciar a
Libertadores em dois jogos decisivos.
Entre
outras conclusões, deixo uma nota final acerca da importância da função de treinador.
A
grande exceção à regularidade neste ano futebolístico europeu chama-se ‘Manchester United’. O
campeão inglês que, com Alex Ferguson, conquistou 13 dos últimos 21 campeonatos
da Premier League, encontra-se atualmente em 7º lugar, a 14 pontos do líder
após 22 jogos; e só uma variável mudou entre a temporada passada e a atual – o
treinador!
Atualmente,
treinador de futebol também ganha jogos! Ou perde!
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