quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Os jovens das bases e sua transição para a titularidade: por uma verdadeira Academia!

por RUY MOURA

Editor do Mundo Botafogo

Em certa ocasião fiz uma observação, em jeito de elogio, à médica dentista que me assiste, dizendo-lhe que era profissionalmente muito rápida, ao que me respondeu: – “É verdade, sou rápida, mas não apressada.”

Pois bem, não sei avaliar com rigor se os responsáveis do futebol brasileiro são rápidos, e até admito que, em muitas situações, sejam lentos e se deixem ultrapassar, mas uma coisa consigo vislumbrar claramente – são apressados!

Isso serve para muitos casos, incluindo, no assunto que me interessa realçar hoje, os responsáveis pelo pelouro e pelo acompanhamento técnico, físico e psicológico dos atletas das equipes de base, assim como dos próprios torcedores sobre o modo como avaliam o tempo de transição para o ingresso das ‘promessas’ das bases na equipe principal.

Quero com isto dizer, usando provérbios populares, que “a pressa é inimiga da perfeição” e quem é “apressado come cru”. Em suma, “depressa e bem, não há quem!

Lembro-me bem da estreia de Luís Henrique na equipe principal, revelação da base que, em 2015, marcou 14 gols em 10 jogos na Copa do Brasil Sub-17, tornando-se o maior artilheiro da história da competição. Então, estando o Botafogo deficitário de atacantes nesse momento, René Simões escalou-o como titular na função de comandar o ataque Alvinegro, tendo tido uma estreia fulgurante – a chamada ‘sorte de estreante’ –, assinalando dois gols na vitória de 5x0 sobre o Sampaio Corrêa, em 3 de julho de 2015, igualando a marca de Jairzinho na sua estreia como titular da equipe principal Botafogo.

No dia a seguir escrevi no Mundo Botafogo, em 4 de julho de 2015, a crônica de análise ao jogo da qual destaco o seguinte trecho:

“Desejo duas coisas: (a) que a diretoria se adiante para um contrato alargado a Luís Henrique, porque já se faz tarde em função certamente do ‘afiar de dentes’ do seu empresário; (b) muito cuidado com a condução da titularidade de Luís Henrique, porque poucos jogadores estreantes nesta idade sobrevivem com bom futebol. Pelé e Jairzinho foram exceções.

A cabeça do jovem precisa manter a frieza, os colegas não podem travar o progresso do rapaz sob o pretexto de o tempo na equipe ser um ‘posto’, o treinador precisa protegê-lo, a torcida não pode embandeirar em arco como está a fazê-lo nem vaiá-lo quando as coisas lhe correrem mal em campo.

Ao contrário do que disse Jairzinho ao jovem Luís Henrique, estrear aos 17 anos é muito delicado porque a cabeça precisa pensar bem, o sucesso individual não pode subir à cabeça e a pressão/solicitações crescentes feitas a partir do exterior vão aumentar e bastas vezes acabam por engolir o objeto da sua admiração.

Ou será necessário relembrar todos os fiascos ocorridos com atletas promissores que acabaram por cair no esquecimento após má condução de carreira?”

[Clique aqui se desejar ler toda a crônica: Um jogo simples de narrar: Luís Henrique!]

Ah!… mas Pelé foi campeão do mundo aos 17 anos! Pois. Mas Pelé era Pelé, ‘apenas’ o mais completo futebolista do século XX. Ah!... mas Jairzinho estreou no Botafogo aos 17 anos! Pois. Mas Jairzinho era Jairzinho, ‘apenas’ o único artilheiro que marcou gols em todos os jogos da Copa de 1970. E o futebol era, ainda, meio amador, completamente diferente da profissionalização e das exigências da atualidade.

Todo o mundo embandeirou em arco, desde dirigentes a torcedores, que subitamente viram, e sobre isso escreveram, Luís Henrique carregando o Botafogo às costas e a sua classe correndo mundo rapidamente. Pois bem, Luís Henrique não fez praticamente mais coisa alguma no Botafogo. Eu logo avisei, no blogue e aos amigos, do risco de colocar um rapaz tão novo com a responsabilidade de comandar o ataque do nosso Clube sem que para isso tivesse sido previamente preparado, pulando etapas que poderiam queimar o futuro do atleta.

Pois bem, Luís Henrique saiu do Botafogo logo em 2016, ingressou no Atlético Paranaense e rapidamente foi vendido para o Feirense, de Portugal, em 2018, mas ainda nesse mesmo ano deixou o clube e foi para o Nacional (SP), que também nesse mesmo ano o emprestou ao Grêmio e no ano seguinte ao Oeste. E depois disso acabou por chegar à Finlândia em 2019, ingressando no HIFK, sendo no ano seguinte dispensado para o Vejle BK, da Dinamarca, que no ano seguinte o emprestou de regresso ao HIFK e em 2021 o emprestou ao FC Honka, da Finlândia. E lá está ele, nas terras frias da Escandinávia, longe de qualquer campeonato interessante.

Há quatro dias, em 23 de janeiro de 2021, Abel Ferreira disse o seguinte a propósito da possibilidade de o atleta palmeirense Endrick, de 15 anos, aceder à equipe principal do clube:

Ele tem 15 anos, é um miúdo e gosto de olhar para estes jogadores e dar tempo ao tempo. Não tenham pressa, nem ansiedade. Mais cedo ou mais tarde ele vai jogar na equipe principal, mas com 15 anos, se Deus quiser, o trabalho dele é ganhar a Copinha.”

E Endrick cumpriu o seu trabalho: ganhar a Copinha de goleada frente ao Santos, sendo destaque e artilheiro do Palmeiras.

No mesmo dia, Enderson Moreira disse o seguinte sobre os jogadores revelados nas bases do Botafogo e integrados na equipe principal:

São jogadores de boa qualidade, com grande potencial, mas não quer dizer que já estejam prontos para assumir a titularidade na equipe. Precisamos observar isso no dia a dia, sem colocar pressão neles, para que possam desenvolver de forma natural. Costumo dizer sempre que o jovem pode entregar muito mais do que você espera, assim como pode entregar muito menos do que já fez na base.”

Não sei até que patamar Enderson Moreira pode ir como técnico de futebol, mas entregue-nos mais do que esperamos ou menos do que esperamos, indubitavelmente é um homem cauteloso e previdente, que mescla essa atitude com a ambição de ganhar, como convém neste momento tão eufórico do Clube, e que seguramente não vai queimar o futuro dos nossos atletas, mas sim, ao contrário, prepará-los em função das características de cada um e segundo planos de progresso individual num enquadramento coletivo e profissional de natureza técnica, física e mental.

Estimados dirigentes e pessoal técnico, queridos torcedores, sejam rápidos no apoio aos nossos jovens, mas desta vez não se apressem a julgar. Diz o provérbio que “Roma e Pavia não se fizeram num dia”. Pois não. Levaram tempo a construir-se, mas ainda estão lá, imponentes, para a Itália e para o mundo, ano após ano.

E assim se pode iniciar o caminho para a criação da Academia do Botafogo!

4 comentários:

Sergio disse...

Finalmente um comentário sensato e sábio sobre a base.
Acabei de escrever no Cantinho que um dos grandes problemas que a base do Botafogo vem sofrendo é a transição, equivocada na maioria das vezes, a começar pela exigência do torcedor que acha que o jovem que acabou de subir vá render o que rendia na base. Ledo engano, e o torcedor do Botafogo infelizmente tem sido um dos grandes responsáveis pela "queima" dos jovens, quando exigem que estes jogadores resolvam problemas do time quando no time não há referência de bons jogadores no time principal para orientar os que sobem. É bom lembrar o caso Seedorf com o Vitinho, orientação importante do craque holandês.
No passado os jogadores da base do Botafogo que subiam tinham inúmeras referências, o que ajudava e muito na transição.
Aqui me lembro do Amarildo em 62 muito nervoso na sua estreia na seleção contra a Espsnha e ouve do Didi o seguinte: aqui é como jogar no Botafogo, afinal tinham 5 em campo.
Infelizmente o imediatismo, compreensível pela carência do clube em grandes jogadores tem sido muito ruim para os oriundos da base, a transição é péssima em todos os sentidos. Tomara que essa SAF saiba corrigir esse problema, que também é muito afetado pela mentalidade medíocre instalado no clube há anos, um clube que no passado revelou tantos bons jogadores, hoje é um cemitério de novos valores. Abs e SB!

Carlos Eduardo disse...

O problema do Botafogo em relação a base e os atletas no profissional, neste momento da chegada da SAF, ainda tem resquícios de praticamente todos os dirigentes e suas gestões.

Qual o problema? - Elencos enxutos, ruins e faltando peças.

Como subir os "meninos" se não tem o aporte estrutural adequado e sobretudo um elenco profissional mal montado e sem referências????

Pelé, no Santos e na Seleção tinha outros craques e bons jogadores experientes a sua volta, Jairzinho idem.

O problema quando se sobe ao profissional é fazer a integração num monte de jogador ruim.

Abraços, Ruy!

Ruy Moura disse...

Exatamente, Sergio. Há dois momentosimportantíssimos: o trabalho realizado nos prmeiros anos na base, o qual é fundamental para dar referências aos jogadores e preparar os atletas para melhorias importantes de acordo com as suas características,e em seguida a transição. Na transição cometem-se esses erros que mencionou, e a transição é a fase decisiva para que uma 'promessa' se torne 'realidade'. Porém,sempre com a atenção centrada no atleta e na sua integração coletiva.Ora, o que vemos são dirigentes centrados no $$$$ que podem render cada atleta e vendê-los rapidamente, descurando a parte de preparação que obteria atletas muito mais valiosos a todos os níveis, e torcedores que pensam que duas jogadas artísticas são o suficiente para elevar o atleta a titular. Em minha opinião continua tudo erradoporque a metodologia que subjaz à construção de uma Academia simplesmente ainda não existe no Botafogo.

Abraços Gloriosos.

Ruy Moura disse...

É isso, Carlos Eduardo. E não são apenas resquícuos, são a realidade! Porque dirigentes impreparados não geram profissionalismo capaz e, consequentemente, os modelos de gestão eficientes e eficazes não moram no Botafogo. E as escolhas?!?!... Escolhem dirigentes de futebol e comissões técnicas incompetentes, membros de departamento médico impróprios para a medicina desportiva, etc.

E a integração, que o Carlos Eduardo e o Sergio mencionaram é fundamental. Além da preparação individual de cada 'promessa', a integração no coletivo mediante um 'tutor' é por vezes verdadeiramente decisiva. Mas isso tudo implicaria uma cultura desportiva/futebolística evouída. Isso não existe no Botafogo, nem mesmo no tempo da boa presidência de Bebeto de Freitas, que apesar de tudo ainda padecia muito de amadorismo e não conseguiu criar uma cultura adequada no Botafogo em razão do senhor CAM e seus sequazes terem feito tudo durante esses seis anos para que a modernidade não chegasse ao nosso Clube.

Abraços Gloriosos.

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