por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo
Lage, tal como Castro, fez
algumas experiências para afinar a equipe e os jogadores inicialmente
consideraram muito positivos os ajustamentos. Por exemplo, tentou reforçar o
corredor interior com reposicionando de jogadores numa perspectiva de jogo mais
vertical, abrindo maior profundidade e capacidade de execução, sobretudo após a
lesão de Tiquinho.
Efetivamente, a 7 de agosto
a espinha crucial do Botafogo, que era Tiquinho Soares no seu vai-e-vem da
defesa ao ataque, e no qual tudo se concentrava, lesionou-se, abrindo espaço ao
epicentro da crise técnica da equipe enquanto conjunto.
Lage viu-se na necessidade
de corrigir movimentações táticas quando percebeu que sem
Tiquinho estava funcionando previsivelmente. Isso afigurava-se normal e Lage
até conseguiu, mesmo sem Tiquinho, colecionar 3 vitórias e 3 empates no
Brasileirão, o que seria suficiente para continuar com uma liderança robusta,
significando que tecnicamente, apesar das dificuldades de alguns ajustamentos
que a equipe teria que interiorizar, os problemas poderiam ser ultrapassados,
mesmo sem Tiquinho.
No entanto, o jogo com o
Flamengo – tal como acontecera com a crise de Castro no Carioca, justamente
contra o Flamengo – precipitou novos acontecimentos completamente diferentes. O
Botafogo descontrolou-se emocionalmente contra o Flamengo – será isso trauma
interno deste século independentemente dos planteis? – e o próprio Bruno Lage
evidenciou, durante a Coletiva após a derrota, que do ponto de vista atitudinal
é um treinador com problemas emocionais na sua conduta, assumindo uma atitude
insensata de publicamente colocar o seu cargo à disposição após mal-estar
interno e as críticas que foram feitas pela torcida durante o jogo (a ele e a
JP Galvão). Terá sido uma resposta de proteção ao/s jogador/es e provavelmente
porque também não sentia solidariedade interna dos bastidores da SAF, que
haviam pressionado Textor para manter Caçapa e não contratar Lage.
Porém, como os jogadores não
entenderam o argumento da proteção e estavam em atrito com o treinador por não
conseguirem interiorizar um modelo mais vertical de jogo, decidiram levar a
cabeça de Lage a jogo.
Foi um momento de angústia.
E fatal.
Iniciou-se o descontrolo no
Botafogo. O que é absurdo quando Lage mantivera a equipe invicta sob a sua
liderança no campeonato até ali e conquistara 12 pontos em 6 jogos. E, na
opinião do Mundo Botafogo, a crise iniciada com a lesão de Tiquinho, continuada
por Lage após o jogo contra o Flamengo e aprofundada pela oposição interna,
pelas críticas muito fortes da torcida e pelos próprios jogadores que se
envolveram na polêmica, foi da responsabilidade de todos. Amadorismo
comportamental a todos os níveis.
Após três derrotas
sucessivas (Flamengo, Atlético Mineiro e Corinthians) em que o regresso de
Tiquinho foi uma desilusão, com o atleta se arrastando em campo e sem produzir
coisa alguma, eis que Lage barrou Tiquinho no empate por 1x1 com o Goiás contra
a vontade de todos, precipitando os acontecimentos.
Provavelmente Lage tinha
argumentos racionais para barrar Tiquinho, porque desde a lesão não estava a
render e produziu muitíssimo pouco com Lage, Lúcio Flávio e Tiago Nunes. Porém,
o modo como Lage o fez inquinou toda a possibilidade de continuar à frente da
equipe em razão da conjuntura que se gerara. Vejamos qual.
Lage nunca conseguiu um
discurso público atrativo, mostrando-se um mau comunicante. Além de não estar
familiarizado com a cultura do país, pode-se verificar, hoje, que o seu
problema é muito mais de natureza mental / atitudinal e menos de natureza
técnica. Efetivamente teve sucesso no Benfica logo no 1º ano de treinador
principal, recuperando 7 pontos de atraso e sagrando-se campeão português, mas
no ano seguinte a equipe desperdiçou 7 pontos na liderança e o Benfica perdeu o
campeonato, atribuindo-se a sua saída, nos bastidores do futebol, a desavenças
de vestiário, lideradas por dois jogadores; no Wolverhampton fez um grande ano
seguinte, mas na 2ª época ao serviço do clube inglês teve uma série de maus
resultados e foi demitido; no Botafogo começou com 3 vitórias e 3 empates e
acabou saindo com derrotas e um mau clima interno no Glorioso.
Raciocinando sobre o
assunto, é fácil perceber certas razões: consta que no Benfica criou mal-estar
entre os jogadores e os líderes de opinião derrubaram-no; e pode-se admitir que
o mesmo ocorreu no Wolverhampton já que no Botafogo sucedeu caso semelhante.
Isto é, Lage não tem capacidade de liderança nem de comunicação, o que é fatal
para um treinador.
Ora, via-se nas Coletivas o
seu pouco à vontade nas respostas – muito longe da assertividade de Castro – e
ficou-se a saber que os jogadores não gostaram das suas atitudes públicas e,
quiçá, do modo como comunicava com eles.
“Ninguém sabia daquilo! Ficamos a olhar uns para os outros. Chamou a
atenção… Foi como ele explicou depois: disse que queria chamar a
responsabilidade para ele porque vinha a sentir pressão. […] Alguns jogadores não gostaram da forma como
ele se pronunciou. […] Os jogadores
começaram a falar num grupo de whatsapp…” – Lúcio Flávio, sobre a ameaça de
demissão de Bruno Lage, in Charla Podcast.
Em suma, Lage ditou o seu
destino quando colocou o lugar à disposição publicamente de um modo
comunicacionalmente muito infeliz. Os jogadores, cientes do seu poder e
convictos que tinham muitíssimas capacidades (que não têm), começaram a
mexer-se – o que se mostrou absolutamente desastroso – e é claro que também os
bastidores do Botafogo já eram adversos a Lage e a torcida não estava morrendo
de amores por ele.
Por outro lado, todos
estavam embandeirando em arco depois de Caçapa ter desfocado a equipe dos 3
pontos jogo a jogo, introduzindo o foco do título. Um erro crucial seguido por
Textor – que aparecia como torcedor de arquibancada gesticulando para os
adversários em vez de assumir uma discreta e ponderada atitude de líder –, da
torcida que dedicava música a Martín Segovia porque fazia uns dribles
improdutivos sem gerar resultados visíveis nem assistências a gol e
concretamente produzindo pouquíssimo, que andava pela rua envergando camisetas
com o título de campeão brasileiro 2023 e até mesmo tatuagens com os mesmos
dizeres – e da galera dos bastidores absolutamente crente que 13 pontos de
avanço não eram alcançáveis.
Porém, no futebol só se
ganha quando o apito determina o fim do jogo ou, no caso concreto, o fim do
campeonato. Em 2009 o
Palmeiras de Muricy Ramalho chegou a ter 10 pontos de vantagem sobre o
Flamengo, que acabou campeão nesse ano (embora com auxílio dos erros do apito,
evidentemente, tal como o mesmo Palmeiras foi altamente beneficiado por erros
do mesmo tipo em 2023). Mas melhor ainda fizeram os ‘galáticos’ do Real Madrid
– a equipe mais estrelada do mundo à época – que no campeonato espanhol de
2003/2004, contando com Ronaldo Fenômeno, Zinédine Zidane, David Beckham, Raúl
e Roberto Carlos, liderava a competição com 7 pontos de vantagem sobre o
Valencia a 12 rodadas do fim e acabou em quarto lugar após perder 6 dos últimos
7 jogos, tendo que ir disputar a classificação para a fase de grupos da Champions League, exatamente o que
ocorre com o Botafogo na Copa Libertadores em 2024.
Resumindo, Lage acaba por cair após barrar Tiquinho no jogo
contra o Goiás, o que do ponto de vista psicológico, sem que fosse explicado
com racionalismo e sensatez, seria inaceitável para a torcida. Especialmente
porque quando Tiquinho entrou no 2º tempo fez o empate da partida, praticamente
na única jogada que lhe saiu bem. Talvez tenha sido um gol ‘perverso’. Se
Tiquinho não tivesse marcado teria sido mais evidente que estava ainda
completamente fora de forma, como se confirmou nos jogos seguintes – e então
talvez Lage tivesse continuado à frente da equipe, apesar dos seus erros
atitudinais e se conseguisse evitar o maior equívoco do ano com a escolha de
Lúcio Flávio para treinador principal, que agravou consideravelmente a campanha
da equipe.
Se o Mundo Botafogo soubesse que a alternativa seria Lúcio
Flávio, jamais apoiaria a saída de Lage, fosse pelo que fosse. A sua saída
gerou Lúcio Flávio e o fracasso rotundo.
No entanto, com a nomeação, o Mundo Botafogo não quis
desapoiar Lúcio Flávio para não ajudar a desestabilizar a equipe, mas quando a dupla L. Flávio e J.
Carli foram empossados o editor deste espaço escreveu aqui o seguinte excerto
em artigo de opinião a 5 de outubro:
“Todavia, os decisores do Botafogo optaram
por oficializar Lúcio Flávio como técnico e Joel Carli como auxiliar. […] Quanto a mim, uma decisão desacertada,
porque nem Lúcio Flávio, nem Joel Carli têm qualquer experiência de condução de
uma equipe principal. Os resultados da equipe B comandada por Lúcio Flávio são
desoladores e de Joel Carli nada se sabe. Ora, face à enorme responsabilidade
de se conduzir o Botafogo a um título que há quase três décadas não se
concretiza, parece ao editor do Mundo Botafogo que essa decisão é um risco
tremendo par todos nós e mesmo para a dupla que agora conduzirá o nosso destino
em campo. […] A decisão da cúpula
botafoguense faz-nos regressar aos nossos eternos erros de amadorismo, dê ou
não dê certa a opção agora tomada, porque não é uma decisão de gestão
profissional, sobrecarrega de responsabilidade dois homens que não foram
preparados para os novos cargos e é altamente perigosa para as nossas
aspirações.”
Relembrando a informação de
@PedroUmberto97 sobre “uma galera do dep
futebol” relativamente aos bastidores do futebol botafoguense, chegou o
momento de se apresentar a citação completa anteriormente mencionada, incluindo
a referência à promoção de Lúcio Flávio:
“A info que eu tenho é que existia uma galera do dep de futebol
incomodada com a centralização do castro, e por isso o sabotava vazando infos.
A mesma coisa aconteceu com o Lage, pra defender a permanência do Caçapa. Essa
galera tomou conta quando o LF assumiu o time no final.” – @PedroUmberto97.
Isto é, aos erros de Lage
associaram-se equívocos maiores que, juntos, criaram um contexto conturbado que
mexeu com o ambiente do Botafogo, em vez de se procurar contornar a crise (que
é um dos atributos das lideranças eficazes) e realinhar os protagonistas em
torno do interesse maior de conquista do título, serenando os ânimos – e o
resultado foi a chegada de mais dois treinadores (L. Flávio e T. Nunes) numa
reta final em que a serenidade teria sido fundamental para se evitar a implosão
da equipe.
Os gestores do futebol,
certamente em coalizão com os principais jogadores do plantel, pressionaram
Textor a aceitar a solução caseira de Lúcio Flávio e Joel Carli, e Textor cedeu
amadoristicamente aos gestores e aos jogadores.
São as típicas lutas pelo
poder interno no Botafogo após os anos de maior Glória futebolística: na década
de 1970, na década de 1990, no período 2003-2008 com intrusões permanentes à
liderança de Bebeto de Freitas ou durante período posterior até John Textor
adquirir maioritariamente o Clube.
Aparentemente, a luta pelo
poder retirou discernimento quando se propôs a substituição de Lage por L.
Flávio e J. Carli, descartando a hipótese de se procurar um treinador cascudo e
de ‘tiro curto’ para reorientar a equipe com celeridade em tempo útil. Porém, o
mais significativamente negativo é que Textor tenha seguido os desígnios de
‘soldados’ sem discernimento suficiente, sabendo-se que os generais não seguem
soldados, mas o inverso.
E assim o Botafogo ficou sem
Líder ao mais alto nível: Thairo Arruda porque não se encontrava apto
(independentemente da vontade) para a função exercida ao nível do futebol e
John Textor porque abdicou da sua liderança fundamental.
A conquista do poder é uma
ação legítima e sempre necessária no médio/longo prazo, mas não à custa da
imprudência e de eventuais prejuízos para terceiros – neste caso, a instituição
Botafogo de Futebol e Regatas e todos os seus torcedores que fazem do Clube um
exemplo de gente apaixonada.
No meio de tudo isto o
oba-oba continuava na torcida e John Textor à beira do campo falava em
corrupção, atacando publicamente a CBF a propósito das arbitragens e prometendo
processos em tribunal, contrariando uma postura de dirigente de topo, que deve
tratar destes assuntos ao nível das instituições e não criar ainda mais
anticorpos contra nós.
E foi neste estado de
precipitações que se entregou a conquista do título a dois comandantes
inexperientes e a jogadores cuja resiliência não era deles, como muitos
pensavam, mas sim a resiliência que Castro moldou e conseguiu incutir numa
equipe muito diversificada que levou muito tempo a unir, cimentar, tornar
resiliente e com espírito vencedor, e que desapareceu tão rapidamente como uma
chama de fósforo por virtude de erros de todos os intervenientes – incluindo os
próprios jogadores.
O que fundamentalmente
distingue os humanos de outras naturezas é a racionalidade. Por isso, deve-se
começar pelo uso da razão para se chegar a valores e a emoções favoráveis e não
começar tudo pelas emoções com risco de se perder o norte dos valores e da
racionalidade.
E chegados aqui resta-nos o
epílogo, a V e última parte desta análise com a avaliação do período ‘flavista’
e do período ‘nunista’, as conclusões e as lições maiores que se podem tirar
para se profissionalizar o Botafogo definitivamente e abrir novas esperanças
para o futuro.
2 comentários:
Textos maravilhosos, e deste modo 3 coisas ficam nítidas: o Botafogo é e sempre foi o grande responsável pelos seus erros, a famosa frase " Botafogo tem a vocação para o erro".
Se não me engano, foi o presidente Sergio Darcy que se referiu ao Botafogo da seguinte forma: " unido o Botafogo é difícil de dirigir, imagina desunido.
E o terceiro ponto e crucial para tantos erros, o amadorismo encrustado no clube ainda não foi devidamente banido, e parece que pelo andar da carruagem, o próprio Textor tem sido responsável por grande parte disto. Abs e SB!
Sim, o grosso das culpas é nosso.
Sim, creio que foi Sergio Darcy.
Sim, o Amadorismo continua apesar de Clube pertencer maioritariamente a um homem natural do país que sobretudo realça os negócios, o dinheiro e os gurus da gestão.
MUDAR É PRECISO!!!
Abraços Gloriosos.
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