por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo
A nova temporada futebolística
inicia-se com um sentimento inédito e inexplicado, nem mesmo quando o Botafogo
esteve nos piores momentos da sua história. Mas, ainda assim,
o Mundo Botafogo cá está novamente para acompanhar a equipe de futebol
principal para o que ‘der e vier’, procurando analisar com a maior
racionalidade possível as ocorrências, independentemente de, em certos
momentos, haver a possibilidade de alguma emoção transbordar do racional que as
matérias exigem.
Os extremos não agradam ao
editor do Mundo Botafogo: nem o ‘cornetismo’ irracional, perigoso e
improdutivo, nem o ‘conformismo’ arregimentado em desculpas sucessivas, porque
é tão perigoso e improdutivo para alcançar novas glórias como é o ´cornetismo’.
O Mundo Botafogo procurará ser
sereno sem jamais se demitir do seu crivo crítico: sentido crítico positivo
para elogiar, sentido crítico negativo para censurar. E sempre sem argumentos
de baixo nível, ofensas pessoais ou outras atitudes impróprias da civilidade.
Ontem estivemos perante um
jogo com protagonistas vindos de uma quadra de ‘comes e bebes’ e com apenas uma
semana de treinos, o que significa que não se esperaria um grande espetáculo,
quer a nível físico quer a nível técnico, e menos ainda grandes novidades, já
que o plantel foi reforçado – pelo menos por enquanto – muito aquém das
necessidades de um Clube que vai enfrentar brevemente adversários da Copa
Libertadores.
O que provavelmente se
esperava consistia em analisar eventuais mudanças de natureza tática, adequação
de posicionamentos, postura atitudinal e compreensão do modo como a partida
estava a ser jogada, entre outros.
Esperava-se, também, que a
teórica superioridade do plantel do Botafogo se traduzisse numa empreitada
prática que permitisse uma vitória tranquila, apesar de – deve-se dizer isto –
tratar-se de um mero jogo-treino num campeonato descredibilizado, quer porque o
dirigismo federativo o levou ao descrédito e não renovou o modelo tornando-o
menos pesado, quer por excesso de jogos com muito pouco interesse competitivo,
quer porque deixou de ter a importância de outrora face a novas dinâmicas
nacionais e internacionais, e que fora do estado do Rio de Janeiro não tem
impacto significativo.
Ganhamos, conquistamos os
três pontos e pouco mais do que isso se obteve, além de ser um começo para
desenferrujar as pernas. Porém, nem por isso deixa de valer a pena exprimir
diversos comentários que o jogo suscitou.
Em primeiro lugar registrar
que me parece pouco aconselhável um sistema de 3-4-3, porque não se vislumbra
que estes atletas se sintam à vontade neste sistema, em especial os estreantes
Halter e Barboza. Por outro lado, um sistema de três zagueiros aplica-se geralmente
contra adversários mais fortes e não contra a limitada equipe do Madureira.
Provavelmente um 4-4-2 seria o suficiente para garantir eficácia da defesa e
equilíbrio a meio campo e dois atacantes apontados à baliza, eventualmente
apoiados por lançamentos através de diagonais a partir dos corredores laterais.
O que aconteceu foi uma
‘trapalhada tática’, com muita gente a monte conforme o jogo se deslocava para
a direita ou para a esquerda, em vez de um posicionamento diversificado,
bloqueando os avanços do Madureira e trocando passes curtos em busca de melhor
oportunidade para passes súbitos e ‘mortais’.
Porém, isso também exigiria
velocidade, e a equipe não a teve. Em certos momentos correu demais, tipo
‘correria eletrizante’ sem resultados, a não ser desarmes sucessivos
conseguidos pelo adversário, em vez do modelo pausas / arranques súbitos em
contra-ataques rápidos com mudanças de flanco ou passes longos.
Até à parada técnica ambas
as equipes foram puramente peladeiras, salvando-se apenas um belo remate de
Jeffinho ao travessão, cerca dos 12’ de jogo. Depois disso parece que Tiago
Nunes chamou a atenção dos atletas, que passaram a preocupar-se um pouco mais
com a marcação e com a troca de bola com menos lentidão, permitindo uma melhor
participação da equipe. No entanto, os passes permaneceram com endereço errado
vezes demais e os chutes a gol um autêntico desatino.
Somente 23 minutos depois do
remate ao travessão é que o Botafogo fez uma boa jogada, com incursão de Hugo
pela lateral esquerda, centro rasteiro para a pequena área e Jeffinho, com
muita oportunidade, empurrou a bola para o fundo das redes, marcando o único
gol da partida.
Pelo meio, Tiquinho mostrou
que simplesmente não recuperou do abismo técnico e psicológico a que a lesão o
levou: participava razoavelmente do jogo – apesar das suas dificuldades físicas
– mas o seu desempenho próximo da área foi simplesmente lento, com muita
atrapalhação com a bola, desperdiçando tempo de passe e de remate, não
acertando nenhuma jogada com perigo, incluindo um remate muito fraco feito para
o canto errado da baliza e fácil de defender.
O Madureira – limitado
tecnicamente – também não fazia boa partida, embora se esforçasse por incomodar
Gatito Fernández, que não cometeu nenhum erro durante o jogo e fez pelo menos
duas defesas cruciais, mostrando que a titularidade parece estar ao seu alcance.
Aos 45’, o melhor jogador em
campo, Jeffinho, quis, além do 1º remate ao travessão e do 1º gol do campeonato
(feito nas novas redes estreladas do Niltão), oferecer a Tiquinho o gol que
poderia iniciar a sua redenção, mas Tiquinho havia se adiantado demais e a
assistência magnífica de Jeffinho encontrou Tiquinho desposicionado. A clara
intenção de Jeffinho presentear Tiquinho é muito louvável.
Fim do 1º tempo, num jogo em
que os dois estreantes, Halter e Barboza, não cometeram nenhum erro sério, e o
reestreante Jeffinho evidenciou que, tendo vindo de um campeonato em andamento,
encontrava-se em melhor forma do que os demais.
No segundo tempo o Botafogo
manteve a sua postura: pouco lestos, bastante desorganizados taticamente, pouca
criatividade a meio campo e sobretudo muito rendilhado em frente à baliza, com
perda de grandes oportunidades para ampliar o placar se o remate ou o passe
para gol ocorresse meio segundo antes.
O Madureira começou a gostar
do jogo e Gatito apareceu, enquanto as diversas substituições operadas por
Tiago Nunes aumentaram a trapalhada organizativa. Medo de chutar a gol continuou e o Madureira
ameaçou por algumas vezes, e o gol de empate só não saiu aos 75’ porque Gatito
existe, defendo por duas vezes consecutivas remates à queima-roupa dentro da
pequena área.
Daí para a frente viu-se um
Botafogo retraído à mercê do tricolor se inspirar e empatar o jogo. Não
conseguiu porque quando a bola chegava à baliza estava Gatito sempre pronto a
defender. No entanto, os últimos 10 minutos foram dos tricolores e o Botafogo
não mostrou a mínima capacidade para segurar a bola nos pés.
Os melhores em campo foram
Gatito Fernández e Jeffinho, seguidos de Tchê Tchê. Halter, Barboza e Danilo
foram globalmente bem, embora os testes mais difíceis da defesa ainda estão por
chegar: partidas contra Vasco da Gama, Fluminense e Flamengo. Hugo ‘salvou-se’.
Os piores?... Bem, pode-se
eleger Eduardo, absurdamente mantido em campo por 90 minutos, seguido de Marlon
Freitas. Tiquinho também esteve bastante mal no conjunto (salvou-se um passe
para Hugo assistir ao gol de Jeffinho, complicando-se no resto do tempo),
precisando de muito trabalho físico e mental, sob pena de ser uma sombra do que
foi durante parte de 2023, e ainda sem substituto – um erro de palmatória que
nos custará muito caro em 2024 se não for emendado com uma boa contratação.
Os substitutos Newton e
Segovia foram nulos. Quanto a Janderson, esforçou-se muito, mas o resultado não
foi bom e necessita de apoio individual para melhorar. Tal como Martín Segovia,
que embora se possa reconhecer que poderá vir a ser um jogador razoável, as
suas atuações com dribles atabalhoados e correrias sem sentido nunca agradaram
ao editor do Mundo Botafogo, tendo nessas correrias perdido bolas que
permitiram contra-ataques perigosos dos adversários, tanto no jogo de ontem
como em diversos jogos do ano passado. A sua aprendizagem deixa muito a
desejar.
Tiago Nunes não alcançou
nenhum progresso com a equipe. Devemo-nos reservar para uma análise futura
melhor documentada, mas Tiago não acrescentou nada aos jogos de 2023, que
decorreram do mesmo modo dos anteriores, e nesta estreia o sistema tático
pareceu-me equivocado, posicionamento desadequado dos atletas e falta de
organização. Temo por Tiago Nunes, mas o tempo é que ditará se o técnico pode
ser bem sucedido, na medida em que o campeonato carioca pode-se considerar a
pré-época para a Copa Libertadores e Campeonato Brasileiro, sendo fundamental
para os treinadores afinarem as suas equipes.
No entanto, anote-se: se não
houver reforços capazes – e não apenas contratações a custo zero ou próximo – e
se as melhorias não surgirem consistentemente durante o campeonato carioca,
disputar a Libertadores e o Brasileirão pode trazer-nos muitas amarguras. Têm a
palavra John Textor e Tiago Nunes, porque quanto ao departamento de futebol a
nossa confiança é muito baixa.
Adenda: (1) Num jogo pacífico o árbitro mostrou 7 cartões amarelos, evidenciando que a arbitragem não melhorou, mantém o seu nível medíocre ou até piora em alguns casos, além de equívocos em várias faltas marcadas e não marcadas; (2) Em determinados momentos pode-se compreender as vaias, mas iniciar-se um campeonato, com vitória da equipe, ainda que jogando mal, e a torcida vaiando todos os atletas, não é atitude aceitável; (3) Quem sabe se as vaias deviam ter tido como destino a gestão de John Textor pela omissão da qualidade na janela de transferências de julho/2023 e pelo que ocorre até ao momento na janela de transferências de janeiro/2024, bem como de diversos acontecimentos no ano passado.
FICHA TÉCNICA
Botafogo 1x0 Madureira
» Gols: Jeffinho, aos 35’
» Competição: Campeonato
Carioca / Taça Guanabara
» Data: 17.01.2024
» Local: Estádio Olímpico Nilton Santos, no Rio de Janeiro (RJ)
» Público: 7.874
espectadores
» Renda: R$ 170.184,00
» Árbitro: Alexandre Vargas Tavares de Jesus (RJ); Assistentes: Michael Correia (RJ)
e Lilian da Silva Fernandes Bruno (RJ)
» Disciplina: cartão amarelo
– Alexander Barboza, Lucas Halter, Tchê Tchê e
Newton (Botafogo) e Arthur Edson, Waguininho e Fábio Mattos (Madureira)
» Botafogo: Gatito Fernández; Lucas Halter, Danilo
Barbosa e Alexander Barboza; Victor Sá (Júnior Santos), Tchê Tchê, Marlon
Freitas (Newton) e Hugo (Marçal); Jeffinho (Matías Segovia), Tiquinho Soares
(Janderson) e Eduardo. Técnico: Tiago Nunes.
» Madureira: Mota; Almir, Marcão, Arthur Edson e
Evandro; Matheus Lira, Arthur Santos (Fábio Mattos) e Patrick Vieira
(Rodrigão); Pablo Pardal (Wagnininho), Hugo Borges (Vinícius Bala) e Arthur
Martins (Antônio). Técnico: Daniel Neri.
2 comentários:
Como vi apenas trechos do jogo e sinceramente não gostei do pouco que vi, então me apoiando na análise bastante profunda do jogo que acabei de ler, sinto que o Botafogo precisa de jogadores com melhor qualidade e sem querer me antecipar, mas estou achando o Tiago Nunes um tanto confuso no modo de armar a equipe, e isso desde de que chegou mostrou muito pouco taticamente. Espero que essa impressão não seja permanente.
E ontem, o pouco que vi, os jogadores pareciam bastante desinteressados do jogo e o que achei pior, parece que ainda estão abalados com o que ocorreu ano passado. Se muita coisa não se ajustar e não vierem contratações de qualidade, teremos um ano tenso. Abs e SB!
Concordo consigo, Sergio. Apenas tenho dúvidas se os jogadores estavam desinteressados ou se o que se passa, o que seria de certo modo natural mas muito grave, relaciona-se diretamente com a queda mental de toda a equipe sobretudo a partir do 'flavismo' que deu a machadada final no título e que foi opção da própria equipe ao escolher LF para treinador.
E o problema é tão mais grave quanto ninguém tratou, ainda, de recuperar mentalmente os jogadores, e, francamente, não me parece que seja o 'bonzão' do Tiago Nunes que o consiga. Tomara que esteja enganado.
Na minha perspectiva ao longo da vida, os líderes máximos são, em última análise, os responsáveis do que acontece nas suas equipes - essa foi sempre a minha postura na condução de equipes e quando liderei instituições - e Textor está muito longe de ser bom gestor e entender de futebol - é mais torcedor e falador do que gestor. Deixou a equipe nas mãos do departamento de futebol e dos jogadores, a equipe autodestruiu-se e a reação de Textor foi atacar a presidente do palmeiras, o Presidente da CBF, acenar com processos e por aí vai. Olhar com olho clínico para a equipe, tomá-la à sua responsabilidade e recuperá-la foi algo a que Textor se esquivou até agora.
Abraços Gloriosos.
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