por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo
Chegados à última publicação da análise a 2022-2023, quase tudo foi dito sobre os
acertos e os erros cometidos nesse período, porquanto os períodos
‘flavista’ e ‘nunista’ foram excessivamente marcados pelas decisões do passado recente.
Lúcio Flávio acertou no 1º
jogo e em mais nenhum, mas curiosamente foi contra o adversário cuja estratégia
e tática de jogo melhor servia o perfil do Botafogo: o Fluminense virado para o
ataque, o Botafogo com a sua defesa de marca resiliente e o contra-ataque
rápido, com muito pouca posse de bola e finalizações ‘mortais’. Depois disso
foi o desastre, porque a dupla de comando técnico simplesmente não teve força
mental e competência técnica para recuperar um Botafogo em queda livre, quer
pelas razões enunciadas anteriormente, quer por outras que convém ainda
realçar.
Em primeiro lugar, as
mudanças excessivas de técnicos em períodos curtos de tempo tendem a baralhar
os jogadores em virtude da implementação sucessiva de modelos de jogo
diferentes aplicados pelos novos treinadores. E, como dizia Castro, os
jogadores têm que “saber jogar o jogo”,
mas isso consome um bom tempo de aprendizado, e enquanto a ‘destruição
criadora’ típica de novos processos que suprimem os antigos não ocorre, há
riscos de desagregação de processos táticos e estratégicos.
Em segundo lugar, as
mudanças em curto espaço de tempo (quatro treinadores em cinco meses)
prejudicam seriamente o aspecto físico, porquanto os métodos mudam consoante as
comissões técnicas e promovem anomalias nas rotinas de preparação.
Em terceiro lugar, a questão
mental é decisiva. Tão decisiva que vimos o Botafogo cair sobretudo porque
perdeu a sua resiliência, a sua força mental, que substituía muito bem a
relativa mediania individual dos atletas. Ao contrário de mídia e da torcida em
geral, que considerava estarmos diante de jogadores que ganhavam jogos
independentemente do técnico (que foi um argumento irracional para atacar
Castro), o Mundo Botafogo sempre considerou que a equipe tinha poucos jogadores
realmente acima da média (Gatito, Perri, Adryelson, Tchê Tchê e Tiquinho), e
por isso era necessário reforçar muito a equipe, pelo que o desempenho era de
conjunto e sob a batuta do modelo que Castro encontrou mais adequado face à qualidade
da equipe.
A equipe caiu tanto do ponto
de vista tático, físico e mental que a fortaleza que havia na defesa
desmoronou-se e até Lucas Perri, badalado como melhor goleiro do Brasil,
cometeu inúmeros erros, porque não sabe sair debaixo da linha de meta para
intercetar bolas aéreas. Eram Cuesta e principalmente Adryelson que o escudavam
para não ficar desguarnecido na sua clara fragilidade nas saídas de bola – e
desse modo esteve implicado em vários gols dos adversários.
De jogadores considerados
muito bons (e ironicamente com um treinador chamado de ‘fraco' e ‘burro’), após o descalabro passaram a ser
nomeados como incompetentes e covardes. Medianos, sim, eram; porém, ‘covardes’
é epíteto para bodes expiatórios, porque o que tornou os jogadores taticamente
confundidos, fisicamente em queda e mentalmente frágeis foi o próprio processo
originado nos erros de palmatória cometidos por todos.
Em particular, a componente
mental desfez-se após a saída de Castro, na medida em que os jogadores não eram
efetivamente mentalmente fortes – e talvez por isso mesmo estivessem
‘encostados’ nas suas anteriores equipes – e sucumbiram quando chegaram
técnicos cujo domínio da parte mental se mostrou claramente insuficiente,
designadamente Lage e Flávio, já que quanto a Nunes é cedo para averiguar as
suas qualidades – embora não se tenha visto, durante os jogos que comandou,
nenhuma novidade, porquanto a equipe estava tão destroçada taticamente,
fisicamente e mentalmente que não é possível ainda arriscar um prognóstico
sobre o atual técnico.
Por outro lado, Tiago Nunes
teve discursos nas Coletivas absolutamente desencorajantes de mudança, já que
nenhuma cobrança fazia e elogiava os jogadores por desempenhos que efetivamente
não tiveram qualidade alguma para ganhar jogos nem conquistar o título.
No entanto, em boa verdade,
Nunes deparou com náufragos, porque antes da sua chegada, L. Flávio e J. Carli
já haviam fechado o caixão quando a equipe, totalmente desmoronada nos segundos
tempos das partidas, levou duas viradas sucessivas e históricas por 4x3 do Palmeiras
e do Grêmio, com a particularidade de que se Tiquinho tivesse convertido o
pênalti contra o Palmeiras faria 4x1 e liquidaria o seu adversário. O abalo
mental era tão grande que quase todos percebemos que quando Tiquinho partiu
para a bola, ofegava e mostrava um olhar hesitante e assustado, evidenciando
que também ele havia perdido o foco e a mentalidade resiliente.
Entretanto, em desespero, a
torcida buscou tudo de melhor que tinha para segurar a equipe e levá-la, na
raça, ao título, enchendo o Niltão e mostrando-se positiva nas redes sociais.
Porém, era tarde, já que, também em desespero, Textor e os jogadores (e com o
sumiço total dos responsáveis do departamento de futebol) estavam penetrados
pelo contágio de sucessivos erros e agravaram a situação.
Textor chegou ao cúmulo de
encomendar um estudo sobre a arbitragem, emitir opiniões sobre a validade do
campeonato e ameaçar publicamente a CBF. É certo, em nossa opinião, que apesar
de todos os erros seríamos campeões com arbitragens competentes, mas também
sabemos de um certo ‘ódio’ que nos têm e que para ganharmos algo temos que
jogar muito mais do que o normal de modo a que as arbitragens não tenham
nenhuma possibilidade de interpretações ‘maliciosas’.
A cena altamente prejudicial
ao Botafogo com a decisão da CBF após o apagão no Nilton Santos foi prova
evidente que ameaças públicas à CBF não rendem se o autor for o Botafogo, pelo
contrário, prejudica-nos. São assuntos a tratar institucionalmente, não na
praça pública.
No entanto, o desespero foi
tal que Textor e Tiquinho Soares brandiram com o lema CTCT (contra tudo, contra
todos). Ora, qualquer gestor e qualquer jogador experientes devem saber que
esse é um lema legítimo de agitação e estimulação a partir das arquibancadas,
mas nunca de um presidente-torcedor nem do ‘craque’ da equipe, porque o que
ambos demonstraram foi a permeabilidade que os diversos disparates perpetrados
infringiram à equipe minando-a de fora para dentro.
Textor fez de torcedor e deu
aso ao ‘vale tudo’. Por outro lado, num momento crucial para a equipe, Textor
ocupou o Niltão com shows musicais,
dando maior importância ao dinheiro ganho nesses eventos do que ao título que
alavancaria o prestígio futebolístico e económico futuro. Curiosamente, Renato
Gaúcho declarou, após a virada, que se o jogo contra o Grêmio tivesse ocorrido
no Niltão o craque Suarez não teria atuado porque o relvado sintético
prejudicaria o seu joelho – e assim não teria destroçado a já frágil defesa do
Botafogo.
Creio que de tudo que se
escreveu nesta série de análises pode constituir reflexão e, sobretudo, retirar
ilações dos muitos erros cometidos, porque 2024 será um ano para reconstruir o
que ruiu em escasso tempo. O que realça que construir e destruir fazem-se em
tempos muito diversos: a nossa construção levou cerca de 15 meses; a destruição
apenas 4-5 meses. Precisamos interiorizar um novo tempo a atribuir ao
aprendizado para que a construção seja robusta e duradoura.
A chave de tudo está nas
mãos de quem detém maioritariamente a SAF Botafogo: John Textor.
A ele devemos o
ressurgimento do Botafogo, mas muito nos deve pela queda do Botafogo no
Brasileirão e pela perda do título, pelos erros que cometeu e pelos que deixou
cometer. Tal como Castro, que construiu um exemplo de equipe atuando em
conjunto, mas traiu a confiança de Textor e ainda a de uma boa parte da torcida
que acabou por reconhecer as suas virtudes e a ele acabou por aderir
incondicionalmente.
John Textor quer construir
um império futebolístico através de um conjunto de equipes diversas. É legítimo
que o queira fazer, é legítimo que queira ganhar dinheiro com a Eagle Football
Holding, mas parece ao Mundo Botafogo que tem seguido caminhos bastante
errôneos nesse sentido.
O resultado, por enquanto, é
evidente: o Botafogo perdeu um campeonato quase ganho; o Crystal Palace
encontra-se classificado na segunda metade da tabela; o Molenbeek está na zona
de despromoção; o Lyon esteve quase sempre na lanterna do campeonato e
atualmente encontra-se apenas dois pontos acima da despromoção.
Contudo, Textor optou
claramente por privilegiar o Lyon, porque detém a maioria do capital do clube e
porque… (tem que se dizer isto) privilegia um clube europeu com vista a colocar
as suas ‘revelações’ na montra do continente futebolisticamente mais evoluído.
Porém, nenhum botafoguense aceita ser muleta de outro clube, mas sim seu
parceiro em igualdade de circunstâncias. Textor fez isso: primeiro, com os
casos de Giovanna para a equipe feminina do Lyon no futuro; depois com
Jeffinho, que afinal está de volta para se consolidar por cá e mais tarde
regressar ao clube francês em melhores condições; segundo, com os casos de
Lucas Perri e Adryelson, dois dos nossos melhores jogadores que foram
prometidos por Textor ao Lyon quando ainda estávamos no auge da nossa campanha,
tendo posteriormente desmentido o caso assegurando que permaneciam no nosso
Clube, mas afinal vão mesmo para o Lyon.
Isto é, Textor precisa ser
mais consistente. Por um lado, não prejudicar o nosso Clube que, apesar de
tudo, ainda tem prestígio mundial maior do que o Lyon e compreender que o
modelo de negócio no futebol ao mais alto nível passa pelo sucesso desportivo
dos clubes porque alavanca muitos outros aportes financeiros. Por outro lado, o
Botafogo necessita de um CEO que tenha competência técnica no domínio da
estratégia e gestão e que conheça os meandros futebolísticos, ou, no mínimo, os
meandros desportivos em geral. Acredito que haja alguém no país que tenha esse
perfil. Por exemplo, embora isso seja bem difícil de concretizar, contratar uma
pessoa como Bernardinho que, embora tenha experiência sobretudo no voleibol,
tem visão, experiência e capacidade de gestão desportiva. Em último caso,
Textor pode recorrer a uma patrício americano de confiança que reúna essas
características e esteja disponível para se fixar no Brasil e aprender a língua
portuguesa.
Seja como for, Textor
deveria investir mais na SAF – porque tem havido subfinanciamento –, seja nas
infraestruturas seja no plantel; deveria constituir uma equipe de gestão muito
competente e que entenda o meio onde atua e não se omita nas crises; e deveria,
ainda, encontrar um treinador – caso Tiago Nunes não seja esse treinador – que
tenha um perfil técnico adequado, experiência suficiente e palmarés atrativo,
bem como uma clara vontade de fazer parte da dita ‘família’ botafoguense e seja
blindado por uma cláusula de rescisão realmente elevada – nada menos de 110
milhões de Reais.
O maior de todos os desafios
de Textor é riscar definitivamente o amadorismo em General Severiano e
implementar uma gestão rigorosamente Profissional que cumpra os desígnios do
seu Grupo e os desígnios do Botafogo e da sua torcida.
Um Botafogo que seja um
Clube capaz de revelar grandes jogadores, num país que sendo qualitativamente
deficitário em dirigentes confederativos, federativos e de clubes, em técnicos,
em árbitros, em juízes desportivos e na mídia desportiva, tem uma qualidade
inexcedível de futebolistas e um reservatório muito amplo de matéria-prima
entre milhões de brasileiros.
Satisfazendo esse desígnio
de Textor em revelar, consolidar e valorizar jovens jogadores para negócio
futuro e consolidação do Grupo, importa que ocorra simultaneamente a glória
desportiva, sem a qual, no médio prazo, o Clube definharia inexoravelmente.
Dos quatro clubes que
compõem a Eagle Football Holding o Botafogo tem sido ainda o mais
historicamente prestigiado e que pode revelar jogadores num país que foi o
‘pai’ do futebol moderno a partir do início da década de 1960, bem como – muito
provavelmente – o Clube com a torcida mais apaixonada.
A movimentação de saídas e
entradas de futebolistas na SAF Botafogo será a primeira variável a indiciar
que rumo Textor quer dar ao Botafogo e todos esperamos que o plantel seja
reconstituído com ‘cabeça, tronco e membros’. A segunda variável será avaliada
pelo índice de ações eficazes tomadas com base nas lições aprendidas neste
período histórico 2022-2023.
E sem que nenhum de nós
esqueça que a badalada “decepção
botafoguense de 2023” só pode ter sido anunciada pelos nossos adversários
com base em termos sido verdadeiramente A
MAIOR SURPRESA DO BRASILEIRÃO EM 2023.
A John Textor, que pode dar
continuidade a essa Surpresa, o Mundo Botafogo deseja as maiores felicidades em
2024 de modo a que os torcedores deste Glorioso Clube da Estrela Solitária e
todos aqueles que participem na próxima campanha beneficiem, também, das
maiores felicidades neste novo ano que se inicia.
Ou como diria a Mafalda do
saudoso Quino, torcendo pelo Botafogo: “Não é o novo ano que tem que ser
melhor. É você e a sua gestão, John Textor!”
8 comentários:
Esses textos I a V demonstraram com muita clareza o que ocorreu com o Botafogo 2022 e principalmente 2023. Em minha opinião esses textos deveriam ser emoldurados e colocadas dentro do clube sendo leitura obrigatório ao longo de 2024 para que o Botafogo possa finalmente se livrar desse erros absurdos cometidos e, principalmente acabar com esse eterno amadorismo . Parabéns Ruy, análise muito precisa. Abs e SB!
Agradeço do fundo do coração todos os seus comentários e a extrardinária adesão que tem ao nosso blogue desde 2007, Sergio. E especialmente desde 2009, quando nos conhecemos pessoalmente.
Tentei fazer uma análise o mais ampla possível para servir a todos visando não cometermos os mesmos erros em 2024. Veremos se o objetivo será conseguido, pelo menos, em boa parte.
O ideal seria não haver nenhuma razão para estes textos existirem e estarmos a comemorar a conquista do campeonato feita com antecipação de umas três rodadas. Enfim... é o Botafogo que conhecemos...
Que 2024 nos traga mais discernimento.
Abraços Gloriosos.
Concordo inteiramente com o Sérgio. Aliás, antes de entrar para comentar imaginei o seguinte: a série de cinco comentários analíticos, pela profundidade, clareza em cima de fatos e situações reais, pontos negativos e positivos desta temporada passada, "inesquecível", infelizmente, deveria ser transformada em uma plaquete para consulta no futuro, pelos dirigentes e torcedores. Assim se verificaria de como não proceder fora e dentro de campo para decepcionar uma imensa torcida!
Meu caro amigo, embora triste com o que nos aconteceu no passado recente, fico muito satisfeito pelo reconhecimento a esta série de publicações porque significa que se, em General Severiano, forem lidas estas reflexões totalmente independentes de preferências pessoais e apenas expressas em função de um grande amor pelo nosso Botafogo, pode ser que alguém aproveite ideias para não se repetirem tantos erros futuramente.
Se Augusto Schmidt fosse vivo não sei se acreditaria que ao fim de tantas décadas a vocação para o erro continuasse em tão grande plano. Tão grande que nem um americano bilionário, supostamente gestor profissional dos seus negócios, conseguiu resolver até agora.
Em consultoria internacional é comum que os relatórios terminem anunciando as lições aprendidas! Espero que o Botafogo saiba aprender o que deve e não deve fazer após estes dois anos de SAF.
Abraços Gloriosos.
Ruy,
Brilhante demais, acompanhei com interesse a temporada do BFR e formulei muitas hipóteses, mas vê-las tratadas com tamanha profundidade analítica e racionalidade mesmo quando escritas por um apaixonado pelo Clube foi extremamente esclarecedor.
Um ano frustrante, mas ao olharmos o passado recente, é o 2⁰ ano consecutivo que o futebol do BFR avança a si mesmo.
Certamente teremos um ano de 24 com o BFR ainda mais forte que 23 e também mais cascudo.
O Futebol carioca tem melhorado, que bom!
Abração!
Leymir, eu nunca perco a 'cabeça' com o desporto em geral ou o Botafogo em particular porque ajo sobretudo racionalmente na observação da vida (e tenho trein científico), ao contrário de pessoas que, por exemplo, me são chegadas, são inteligentes e boas pessoas, mas quando o assunto é futebol perdem completamente o norte, dizem disparates e agem por emoções primárias descontroladas.
E, como o Leymir sabe, porque também age simultaneamente com muita racionalidade e muita paixão elaborada, as minhas emoções são geralmente de natureza secundária e não me deixo levar por primarismos. O curioso é que não considero que haja alguém que ame mais o Botafogo do que eu (muitos e muitos amam tanto como eu) e considero que não é necessário o descontrolo emocional para se amar um clube ou alguém. Com todo o respeito às pessoas muito emocionais, entendo que as emoções descontroladas geram muitas vezes coisas indesejáveis.
A violência muito comum das Organizadas dos clubes de futebol são o exemplo mais gritante de coisas indesejáveis.
Abraços Gloriosos.
Certamente os coléricos, os tais cego de paixão, não apenas amam pior, mas também amam menor.
O sentimento infantil de que o Clube é constituído por apenas vitórias e não por sua jornada, é o impedimento de amor total a um Clube.
Aqueles que sabem que o "contrato" do amor é feito de lealdade e sujeito a feitos épicos, e sim, alguns vexames, são os torcedores que mais amam.
Nesse patamar não existe motivo algum para violências físicas, não sobra sequer espaço para tal.
Esse Clubes que amamos são molecagem de garotos, quando confrontam entre si são os meninos do Flamengo contra os meninos de Botafogo e é essa a porção infantil que deve ser mantida.
O fato Ruy, do lindo serviço de devoção e memória que leva aqui e a gentileza com um torcedor rival que tem comigo, diz muito o tipo de torcedor que você é.
Abração!
Concordo inteiramente com todo o seu texto, Leymir. Mas deixe-me destacar esta brilhante frase: "Os coléricos [...] não apenas amam pior, mas também amam menor". Brilhante!!!
Abraços.
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