quarta-feira, 15 de abril de 2009

Cavaquinho desafinado


por Gerson Soares

Era sempre o mesmo bate-boca na hora da escolha dos times para as peladas nos fins das tardes no campo atrás da nossa casa, na Barra da Tijuca.

Sempre escolhidos após um simples par-ou-ímpar. Eu fiquei no time azul e Mané, no vermelho. E mais uma vez eu o enfrentaria. Mas não gostava de jogar contra ele, pois, além de o cara jogar muito, o time dele sempre vencia: Garrincha fazia a diferença.

Eu não havia me esquecido de quando ele me jogou na vala que ainda corria ao lado do campo. As gozações, a perda de uma namorada e o mau cheiro pelo corpo, que durou alguns dias, ainda viajavam por meus pensamentos.

Durante a pelada, numa disputa de bola pela direita, Garrincha me driblou uma vez e tentou a segunda. Mas eu consegui, por mera sorte, desarmá-lo. Então pedi a ele que jogasse com seriedade e não tentasse me humilhar. Ele prontamente respondeu:

"Certo, Cavaquinho!"

Cavaquinho? Por que Cavaquinho? Aquilo me intrigou. Seria eu parecido com o instrumento musical? O que ele queria dizer me chamando de Cavaquinho?

Durante a pelada, com vitória do time vermelho (claro) pelo humilhante marcador de 12 a 4, com oito gols de Mané, fiquei querendo decifrar o porquê de Cavaquinho.

Em casa, após o banho, não me contive e fui perguntar de onde ele tirara o tal Cavaquinho:

"Foi o seguinte, Juca. Pelo Campeonato Carioca, o Botafogo enfrentou a Portuguesa. Antes de começar o jogo, o lateral da Portuguesa, que se chamava Cavaquinho, me procurou e pediu para não driblá-lo naquela tarde, porque na tribuna de honra estava uma comitiva argentina para vê-lo jogar. E dependendo de sua atuação, seria feita uma boa proposta para ele se transferir para um clube argentino. Atendi, até porque o Botafogo era superior e ganharia facilmente, independentemente da minha atuação."

Depois de breve pausa, Mané prosseguiu:

"Eu entendi o apelo de Cavaquinho. Não podia prejudicá-lo, fazê-lo perder uma boa oportunidade na vida. Joguei o primeiro tempo recebendo e tocando a bola, cruzando para a área, sem driblá-lo. Até seu Zezé Moreira perguntou se eu estava passando mal. No intervalo, Cavaquinho me agradeceu. Na volta para o segundo tempo, ele insistiu para que eu continuasse jogando da mesma forma, pois recebera informações de que estava agradando aos argentinos, todos impressionados por ele não ter sido nenhuma vez driblado por mim. Assim eu jogava, respeitando o trato com Cavaquinho. Até que aos 35 minutos ele se empolgou após roubar uma bola de mim. Inexplicavelmente, fez duas embaixadas e me deu um lençol. Então, gritei: 'Você não quer ir para a Argentina, Cavaquinho?' Todos os jogadores que estavam em campo e os do banco de reservas, além de alguns torcedores da geral, me olharam, não entenderam o motivo da reação tão surpreendente. Cavaquinho passou por mim e, muito empolgado, me disse: 'Eu tenho de impressionar os homens, Mané!' Fiquei furioso e durante os dez minutos finais apliquei todos os dribles que ele estava acostumado a levar no tempo normal de uma partida. Aos 45 minutos, depois de iludi-lo por quatro vezes, passando por sobre a bola, Cavaquinho, um pouco zonzo, perdeu o controle. Tentou dar um bico na bola que me acertasse também. Eu a joguei por entre as suas pernas. Aí, me assustei, porque ele soltou um palavrão e disse: 'Quero que esses argentinos vão para a...' E me deu um pontapé. Foi expulso."

Fonte: www.sosserve.com.br 

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