quarta-feira, 7 de julho de 2010

Já que estamos no baile, o melhor é bailar

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por Luís Octávio Costa, jornalista português
Perfil de Sebastián “El Loco” Abreu

Setecentos jornalistas. Imagine-se que entre as quatro selecções sobreviventes no Mundial sobra uma única sul-americana e que todos os jornalistas disponíveis nas redondezas de Joanesburgo que arranham castelhano tiram o dia para ouvir o que é que o Uruguai tem para dizer antes do jogo com a Holanda. Entre o punhado de jogadores disponíveis está “Loco” Abreu, chamemos-lhe o jornalista número 701.

Washington Sebastián Abreu Gallo é de longe o jogador mais extravagante do Mundial. Por todas as razões e mais algumas. Gera-se um rebuliço cada vez que Abreu entra na sala de um hotel ou cada vez que passa pelo corredor nas catacumbas de um estádio. O uruguaio, 33 anos, 1,92m, aparece quase sempre com a câmara de filmar ligada e apontada aos jornalistas. Na outra mão, uma caneca de chimarrão a fumegar. A plateia fica sempre à espera de um bom título, pelo menos de uma tirada genial como a primeira frase que soltou quando apareceu na zona mista no final da vitória com o Gana. “Ainda bem que a Internet ainda não chegou ao Gana...”

Abreu já foi um de nós. Quando tinha 14 anos trabalhava para o El Serrano, jornal diário de Lavalleja, a sua cidade natal. Desenrascava crónicas de jogos de futebol e de basquetebol, dava notas aos jogadores, escolhia a figura, o normal. Um dia foi cobrir a final de um torneio juvenil em basquetebol entre o Atenas e o Libertad, clube que o próprio representava. “Tinham-me pedido para entrevistar a figura e foi o que fiz.” Chegou a casa, tomou um banho e sentou-se à máquina de escrever. Sebastián Abreu, o jornalista, entrevistou Sebastián Abreu, o “artilheiro” do jogo e do campeonato.

Na África do Sul continua a ser a figura. Mesmo quando não joga. E, no limite, Óscar Tabárez nem o convocou para jogar. O seleccionador queria tê-lo por perto como uma espécie de capitão sem braçadeira, um conselheiro e animador, um faz-tudo que entrou em campo para deixar marcas no dramático jogo com o Gana. “Pediu-me que entrasse e que incomodasse os adversários, que estivesse entre os centrais, que esticasse a equipa, que fosse o pivot, que tapasse o 5 e que tomasse decisões”. Cumpriu à risca. E mais além. Foi na lotaria de grandes penalidades que “El Loco” Abreu tirou o prémio da noite. Os uruguaios e os brasileiros lembravam-se perfeitamente da grande penalidade que Abreu, camisola do Botafogo, tinha ensaiado na final do campeonato carioca frente ao Flamengo. Guarda-redes para um lado, “cavadinha” à Panenka, à Postiga, à Zidane, à Abreu para o meio da baliza. “Quando se toma uma decisão dessas é preciso morrer com ela”, comenta o seu autor. Da primeira vez, a bola ainda ameaçou não entrar. Roçou na trave antes de entrar e Abreu, humano, pensou “Meu Deus! Se não entrar, continuo a correr até ao balneário.” À segunda, foi limpinho. “Ainda bem que a Internet ainda não chegou ao Gana...”

Se se fizer um inquérito de popularidade no Uruguai entre os jogadores “ganha 'Loco' Abreu”, dizia há dias Luis Ubiña, capitão da selecção que chegou às meias-finais do Mundial de 1970. “O Tabárez construiu um grupo de homens e de trabalhadores. Têm fome de triunfos. Salvo Forlán, quase todos os jogadores jogam em equipas pequenas. O mundo ainda não os conhece”, analisa o ex-lateral direito.
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Abreu já correu os clubes pequenos todos. Dezassete ao todo, distribuídos por sete países. Só não seguiu carreira no basquetebol porque aos 16 anos foi expulso de um estágio por ter fugido pela janela com um colega (“um preto de dois metros, imagina”) para ir a um baile. No dia seguinte, o treinador reuniu os atletas. “Disse-nos: “Há um jogador que ia ser seleccionado, mas que fica fora por razões disciplinares.” E pensei “pobre preto”. Mas o treinador disse 'Abreu'.” Pouco depois, o jovem Abreu, fã de cúmbia, físico de poste, estava no estágio da selecção de futebol de sub-17.

Ele é o primeiro a dizer que sim. "Sim, faço 100 quilómetros de bicicleta entre Montevideu e Lavalleja se o Nacional for campeão. Sim, participo na telenovela argentina Constructores, onde interpreto o papel de um trolha com jeito para a bola. Acções de solidariedade? Estou lá."

Este é o seu segundo Mundial. “Conseguimos o que conseguiu a selecção de 1970, mas vamos a caminho das de 1924 e de 1928, das de 1930 e de 1950. Como se diz no bairro: já que estamos no baile, o melhor é bailar. À medida que fomos avançando no Mundial, fomos consolidando o nosso jogo e agora estamos entre as quatro melhores selecções do Mundo.”

Antes de chegar à África do Sul perguntaram-lhe se o Uruguai era favorito e Abreu, sem papas na língua, disse: “Para mim sim, mas na verdade não.” Por isso, a Holanda, diz, não pode ser um drama. “Um drama a sério não é um jogo de futebol. Um drama é acordar num hospital depois de capotar, perguntar pelo colega que ia com ele na camioneta e responderem que ele não teve a mesma sorte.” De volta ao mais louco do Mundial. “Às vezes vou a correr para cabecear num canto e chego a gritar “Vem aí o tsunami da área!” Mijam-se a rir, até os adversários.”

Fonte: Jornal Público (Internet)

4 comentários:

hangman disse...

Ídolo!

Milene Lima disse...

Tenho muita admiração por esse cara. Mas agora me vem um medinho: Será que agora depois dos holofotes da Copa, ele permanece no Botafogo???

Dê-me sua opinião, Senhor Editor.

Ruy Moura disse...

Sem dúvida, Hangman. E um ídolo raro no futebol: o rapaz é socialmente inteligente e sensível. Valorizo muito isso.

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Em futebol tudo pode acontecer, Pétala Rosadinha. Mas não vejo razão para o Loco Abreu sair, porque na verdade, fora a grande penalidade à Panenka o Loco Abreu quase não tocou na bola, razão pela qual não se valorizou. Além disso, os 34 anos abeiram-se.

Por outro lado, creio que não tornará a ser ídolo em mais lado algum. Se ele valorizar isso, ficará.

Em todo o caso, gostando muito, muito da pessoa Loco Abreu, a verdade é que, futebolisticamente falando, hoje é apenas mediano. E o Botafogo tem mais soluções de ataque neste momento. A grande falta que o Loco faz, e por isso acho que é importante continuar, é no vestiário. É lá dentro que a sua capacidade de liderança, a sua confiança, a sua serenidade e o seu valioso caráter se fazem sentir. Eu acho que sem Loco Abreu [e sem Joel, claro] não teríamos arrebitado após os 0x6 contra o Vasco.

Beijos Gloriosos!

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