Ontem, o primeiro artigo da série que mostra aspetos da ascensão
e queda do Botafogo entre 1957-1972 baseou-se em excertos da entrevista dada
por Sandro Moreyra à Placar Magazine, designadamente os momentos de maior
glória. Hoje prossegue a série com a escolha de outros excertos da entrevista
concedida pelo renomado jornalista botafoguense, ainda sob o mesmo título de ontem.
GLÓRIA E AGONIA DA ESTRELA SOLITÁRIA
Como
o Botafogo chegou à situação atual?
O Botafogo começou a cair depois
de 1972, naquela euforia do “ninguém segura este país”, naquele falso
crescimento econômico do país. Havia uma operação financeira que era chamada de
“meia-três” (a Resolução nº 63, do Banco Central), pela qual se podia fazer
empréstimo em dólares nos Estados Unidos. O Flamengo, por seu presidente Hélio
Maurício, e o Botafogo, pelo presidente Rivadávia Correa Meyer, tomaram um
empréstimo de 1 milhão de dólares, que resolvia, na época, os problemas dos
clubes. Mas houve aquela vertiginosa maxivalorização do dólar r quem devia x
passou a dever x mais mil.
Como a bomba explodiu nos dois clubes?
Aquilo provocou em Hélio Maurício
até o enfarte que depois o levou à morte, e forçou Rivadávia a hipotecar a sede
e o campo de General Severiano à Caixa Econômica Federal, que havia financiado
os dólares. O Botafogo na época pagava à Caixa uma prestação mensal que era
praticamente tudo o que o clube faturava com o futebol, quadro social, etc. O
clube existia para pagar a Caixa.
Foi então que Charles Borer
entrou na história do clube?
Charles Borer não tinha nenhuma
ligação sentimental com o Botafogo. Ele era um policial, um homem frio,
acostumado a lidar com negócios, a querer ganhar dinheiro. Ele tinha sido
técnico de basquete do Botafogo – diga-se de passagem, sem muito sucesso –, e
depois, tendo ficado rico, passou a diretor de basquete. Na época da operação
meia-três, como ninguém queria ser presidente do Botafogo, ele aceitou. Mas não
tinha nada a ver com o Botafogo, não sabia administrar clubes, não era homem de
futebol, não contratou jogadores, esqueceu que o Botafogo tinha tradição de
grandes times, passou a comprar jogadores do mercado barato.
E vendeu a sede de General
Severiano, não foi?
Foi a primeira coisa que ele fez.
Um mês depois da posse, vendeu a sede à Vale do Rio Doce. Uma ação que depois o
tempo provou ter sido precipitada, pois, enquanti isso, o Flamengo, através de
Márcio Braga, que é um belo administrador, escalonava suas dívidas e ia
contornando a crise.
Os sócios tentaram arranjar
dinheiro para impedir a venda de General Severiano?
Sim. O dinheiro arrecadado Borer
diz ter posto no open. O dinheiro foi ficando no open e agente não via a cor
dele. O clube não comprava jogador, não tinha time e Borer dizia: “Primeiro eu
vou colocar a casa em ordem, e tal e coisa”. Acabou fazendo uma permuta lá com
um clube de Marechal Hermes e pegou naquele campo. Mas nem aquele campo ele
sobe aproveitar direito. Se você chega a Marechal Hermes, que é uma comunidade
pobre, constrói ali uma pista de atletismo, e abre os portões para aquela
comunidade, você conquista aquela gente e ali passa a ser Botafogo. Mas o
Botafogo, ao contrário, fechava os portões a cadeado para ninguém entrar. Por
isso o Botafogo até hoje é um estranho naquele bairro.
Você era um repórter setorista do
Botafogo. Com a mudança para Marechal Hermes, o que aconteceu?
Deixei de fazer as coberturas
diárias que fazia. Primeiro, porque é muito distante; depois porque me doía
aquilo lá. Quando o Botafogo mudou em 1976, eu estava com trinta anos de
imprensa num clube de que eu era sócio-proprietário e conselheiro, no qual
tinha amizades, tinha tudo. De repente, precisava abandonar aquele ambiente que
eu tanto conhecia, cada árvore, cada coisa, e tinha de ir lá para Marechal
Hermes, onde eu não sabia nem chegar… Não, isso não.
É verdade que você rasgou seu
título quando o lateral-esquerdo Marinho Chagas foi vendido ao Fluminense?
É lenda. Mas houve um episódio
triste antes de ele ir para a Copa de 1974. Marinho era a grande vedete do
futebol do Rio, até pelo modo dele, garotão, com aqueles cabelos compridos. Um
dia, eu cheguei ao Botafogo e ele estava vendido ao Fluminense. Borer o vendeu
de noite, num jantar. Ele estava meio alto, Francisco Horta (presidente do
Fluminense) insistiu e ele vendeu. Aí eu cheguei e, como ainda me dava com
Borer, fui falar com ele: “Borer, você está h+á só dois meses no Botafogo, mas
já morreu politicamente. Você não está vendendo um jogador do Botafogo, você
está vendendo um ídolo do Botafogo”. O clube estava carente de ídolos, né?
Garrincha tinha acabado, Jairzinho também. Ídolo não se vende. Disse mais:
“Você liga para o Horta e diz que não vai vender, que você resolveu desistir,
que Marinho não quer ir.” Então, eu quis conversar com Marinho, pessoalmente.
Aí, Borer o chamou e eu lhe disse: “Ô, Marinho, deixa de ser besta. Não vai
para o Fluminense coisa nenhuma. Você é o Marinho do Botafogo, não pode mudar
assim de repente”. Mas não adiantou. Marinho, na minha opinião, foi o último
grande ídolo do Botafogo.
O volante Alemão, que parecia ser
um novo ídolo, disse recentemente: “O Botafogo não me merece”. O que você achou
disso?
Alemão é um cara que está
perdido, não pode dizer isso, precisa de ler a história do Botafogo. Aquela
camisa que ele acha que não o merece é a mesma que vestiu Garrincha, Nilton
Santos, Didi, Zagalo, Quarentinha, Manga, todos na história mundial do futebol.
O Alemão não é nada perto deles.
Em 1974, o Botafogo tinha alguns
jogadores na Seleção. Aliás, ceder jogadores à Seleção é a maior glória do
clube, não?
Este é o único argumento que
resta para o torcedor botafoguense usar em discussões de botequim: o Brasil foi
sempre campeão quando teve jogadores do Botafogo; depois que o Botafogo caiu,
nunca mais o Brasil foi campeão.
Fonte:
Placar Magazine, nº 810, de 29.11.1985
9 comentários:
Rui, muito boa essa série. Apenas uma coisa me chama a atenção: a operação 63. Me lembro até hoje, pois foi num debate antes jogo que que o Botafogo perdeu por 6X1 para o flamengo em 87 que o João Saldanha falando com o Altemar Dutra de Castilho a respeito da crisees e da dívida do Botafogo, quando houve a intervenção do marcio braga, o Saldanha o retrucou e me lembro muito claramente da fala do Saldanha: "se a dívida da operação 63 fosse cobrada ao flamengo, não sobrariam nem as balizas". Em outra entrevista, essa do Maninho, então presidente do Botafogo, perguntaram a ele porque cobravam do Botafogo e a dívida do flamengo que era 10 vezes maior ninguém cobrava. Ele respondeu que deveriam perguntar ao presidente da república. Existem muitos interesses estranhos nessa falência do Botafogo, que aconteceu no período da ditadura militar. Não foi só incompetência. O mesmo aconteceu e acontece com o fluminense e nunca precisou vender a sede para pagar suas dívidas. Não se trata apenas de incompetência administrativa dos dirigentes do Botafogo, há muito mais debaixo dos panos. É claro que a borer foi a pá de cal no grande Botafogo, que para mim teve seu último grande time em 73 e, não ganhou a LA por muitas coincidências de erros na arbitragem, para variar. Aliás, não fosse a (in)justiça desportiva brasileira e tanto fla como flu estariam em uma situação insustentável. Mas em se tratando de Botafogo a história é outra. O clube tinha muita oposição a ditadura e alguns "comunistas", e isso era insuportável para o regime e pretexto para a perseguição. Recentemente a imensa dívida deixada pelo andres sanches no coríntians será paga em 15 anos, curioso não? Não nos esqueçamos que o senhor lula é corintiano e que muito dinheiro tem sido injetado no clube, ganhando inclusive um estádio, que foi pago com o dinheiro do povo brasileiro, corintiano ou não. Ainda sobre a venda de GS, me lembro perfeitamente que a Vale sabia que não poderia construir uma sede com o gabarito alto e que a demolição do estádio foi feita a toque de caixa enquanto a sede permaneceu de pé. Estranho não? Havia um grande interesse em tirar o estádio do Botafogo daquela região, região nobre e estratégica. Relato isso porque ouvi certa vez essa conversa num frescão, e quem falava era uma alta patente do exército. Enfim meu caro Rui, há muita sujeira debaixo do pano e, em se tratando de brasil, tudo é possível, afinal, somos o país da corrupção, da impunidade, do jeitinho e o velho ditado define o que somos: "para os amigos tudo, para os inimigos, a lei. E para terminar, um dos artífices do golpe de 64 era conselheiro e torcedor do podre clube da praia do pinto. Coincidência ou não, aí começa a decadência do Botafogo, o maior carrasco dos cathiformes. Era preciso que ele fosse destruído. O pior de tudo, é que os próprios botafoguenses colaboraram para que isso acontecesse, em especial o NÓDOA BORER (gostei dessa). Abs e SB!
É tudo verdade o que diz, Sergio. Se todos devem e ninguém paga, porque razão o Botafogo entrega sedes, deixa-se cair no conto do vigário com outro estádio roubado (a seguir ao de General Severiano roubaram o Engenhão), cai nas malhas da Fazenda com a sonegação que o tirou do Ato Trabalhista, etc.
Mas porque é que isso acontece com o Botafogo? Porque os dirigentes botafoguenses SÃO INCOMPETENTES!
E então os outros aproveitam-se de nós baixarmos as calças...
Com Borer foi o Casarão embora, com Palmeiro fomos para a 2ª divisão, com o NÓDOA estamos à beira da falência técnica, porque da financeira já nem falo.
Eles entregam tudo, vá-se lá saber porquê... Levam tudo e não deixam nada...
Consta que em setembro de 2013 alguém foi até Zurich, na Suiça...
Abraços Gloriosos.
Acredito que a diretoria atual não cometeria erros dessa magnitude.
Apenas não acredito na atual diretoria. Só não sei qual a medida dos erros que é capaz de cometer além dos que já cometeu em tão pouco espaço de tempo, tais como a nomeação de Felipe Conceição e o diz que disse e que não disse no aluguel do estádio. Mas vem mais por aí... Desejo que esta minha opinião seja desmentida pelos atos da diretoria.
Abraços Gloriosos.
Lamentáve! Se o GLORIOSO BOTAFOGO não fosse tão roubado no decorrer de sua história, seria um Real Madrid.
Muito bom o texto do Ruy e também o seu comentário. Poucos botafoguenses conhecem esta história, a tal Operação 63. Creio que deveríamos divulgá-la ainda mais entre os torcedores e a imprensa esportiva.
LPR, obrigado pelas suas apreciações. Devíamos divulgar essa e muitas outras histórias. Eu faço o meu papel - num trabalho que ronda as 15.000 horas em 12 anos - divulgando as faces mais obscuras das coisas, essencialmente por meio do blogue e do facebook, mas os botafoguenses leitores do blogue é que poderiam fazê-lo multiplicando a divulgação por muitos mais. É certo que o MB é o blogue mais visitado entre todos os blogues botafoguenses privados, mas as suas matérias deviam ser ainda mais visitadas, comentadas e divulgadas.
Abraços Gloriosos.
Vez ou outra, gosto de ler os artigos antigos e entender algumas histórias do Glorioso. Nesse texto, me pergunto se, caso o Botafogo tivesse construído uma relação melhor com Marechal Hermes, não teríamos uma torcida maior. Aliás, é algo que não entendo, porque o Alvinegro já colocou grandes públicos no Maracanã, mas a torcida aparecia em quarto nas pesquisas e foi diminuindo gradativamente por causa das crises. Porém, pelos ídolos que teve, acho que o Botafogo poderia ter uma torcida muito maior hoje.
Também me pergunto por que a torcida do Botafogo nunca tentou invadir a sede e expulsar os dirigentes ou por que aceitou esse processo, pois vejo que, em alguns clubes, embora não tenham conseguido salvar o time do rebaixamento, agiram de forma truculenta contra os dirigentes. Da torcida do Botafogo, lembro de um vídeo de invasão campal no rebaixamento de 2002.
O Botafogo voltará um dia a recuperar o seu prestígio de outrora. A SAF trouxe nosso orgulho de volta e reacendeu a nossa chama de vitória. Porém, sinto que ainda não somos respeitados, principalmente pela mídia, como deveríamos ser. Todavia, sinto orgulho de ver o Botafogo voltando ao seu normal. É bom presenciar um gigante retornando.
Dinali, talvez sim, mas após a derrocada que força administrativa havia para fazer render Marechal Hermes? a presidência de Maninho ainda tentou, mas ele acabou por desistir e a torcida foi minguando, porque por maior que seja a torcida ela vive sobretudo do presente. Por exemplo, um jovem hoje com 20 anos nasceu em 2005, quando Bebeto de Freitas ainda estava se esforçando (e conseguiu) para reestruturar a dívida. Para esses jovens os tricampeões do mundo (58-62-70) e as dezenas de craques do passado representam pouco para a maioria deles.
Quando é que o Botafogo começou a recuperar torcida? Em 1995, graças ao sucesso de um ídolo desse campeonato - Túlio Maravilha. Essa rapaziada que, arredondemos um número, teria 20 anos à época, tem hoje 50. E só agora a torcida provavelmente é que rejuvenesceu com as fabulosas campanhas de 2024 e, uma vez mais, havendo novamente 2, talvez 3 craques ou ídolos: Luís Henrique, Thiago Almada e Júnior Santos. E, claro, justiça seja feita, pela 1ª vez no século XXI com um treinador à altura da nossa dimensão. E um comando de topo que montou o melhor plantel do século XXI.
Abraços Gloriosos.
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