por RENAN DAMASCENO
Estado de Minas, 09/03/2014
Como Garrincha jogou
por ele e por Pelé para se consagrar como o herói do bicampeonato
Garrincha chegou acanhado à Copa do Mundo de 1962. Não bastasse o medo de avião, ele viajara ao Chile descontente com uma advertência do supervisor Carlos Nascimento. Este, na véspera de um amistoso com o País de Gales, pediu ao ponta que driblasse menos e tocasse a bola de primeira. Atormentado, o gênio das pernas tortas, herói e símbolo máximo da conquista do bi, pensou em abandonar a Seleção, chegando mesmo a avisar a amigos de Pau Grande, vilarejo em que nasceu no interior do Rio, que não viajaria para o Mundial.
“Não foi fácil demovê-lo da disposição
de desertar. Ele acabou cedendo, mas a verdade é que até agora ninguém pôde
vê-lo naquele estado de espírito que o tornou célebre na Suécia, em 1958,
quando passava o dia inteiro atormentando e divertindo a delegação”, contam os
jornalistas Armando Nogueira e Araújo Netto, no livro Drama e glória dos
bicampeões.
A alegria era a marca registrada do
Camisa 7 do Botafogo, que encantou o Velho Continente na Copa de 1958 – cinco
anos depois de pisar pela primeira vez em General Severiano e aplicar em Nílton
Santos o drible que lhe renderia o contrato com o Botafogo. Já destaque no
alvinegro, onde conquistara o título carioca de 1957, Mané chegou à Suécia como
reserva de Joel e ganhou a posição no terceiro jogo, quando Vicente Feola o escalou
de titular contra a União Soviética. Na vitória por 2 a 0 (gols de Vavá), ele
desorientou tanto a defesa que, reza a lenda, a certa altura Nílton Santos
gritou lá de trás: “Mané, chega, que é demais”.
Agora dono absoluto da ponta direita, no
auge da forma e brilhando com a camisa do Botafogo ao lado de quatro
companheiros de Seleção – Nílton, Didi, Amarildo e Zagallo –, Garrincha era a
esperança brasileira, dividindo as atenções com Pelé. Mas o camisa 7 demorou a
brilhar: passou em branco na vitória sobre o México e pouco fez no empate sem
gols com a Tchecoslováquia, jogo que marcou a despedida precoce do Rei do
Mundial.
Sem Pelé na virada por 2 a 1 sobre a
Espanha e nas fases decisivas, Garrincha chamou a responsabilidade para si.
Contra os ingleses, nas quartas de final, abriu o placar de cabeça e, quando o
jogo estava empatado em 1 a 1, cobrou a falta que resultou no gol de Vavá, no
rebote. Aos 14min do segundo tempo, encantou o Estádio Sausalito ao receber de
Amarildo e bater colocado no ângulo esquerdo de Springett.
EXPULSÃO E MISTÉRIO. Garrincha fez tanto em 1962 que até expulso foi – algo raro em sua
carreira. Na semifinal contra o Chile, foi herói da vitória por 4 a 2, marcando
dois gols (um de fora da área, em chute de canhota, outro de cabeça), mas as
provocações lhe subiram à cabeça. O chileno Eladio Rojas esperou o árbitro
peruano Arturo Yamasaki se virar e deu um tapa na cara de Mané, que revidou com
um pontapé, derrubando o adversário. Expulso, o craque se recusou a sair de
campo, ficou andando pelo campo e saiu conduzido por Aymoré Moreira.
Com a expulsão, Garrincha precisaria
cumprir suspensão no jogo seguinte, logo a decisão com a Tchecoslováquia. Foi
quando a política entrou em campo: a súmula do jogo contra os chilenos
desapareceu, juntamente com o auxiliar uruguaio Esteban Marino (vinculado à
Federação Paulista de Futebol), que denunciou a agressão a Yamasaki. Como não
havia provas no dia do julgamento, o craque se tornava apto a entrar em campo
contra os tchecos. E assim o fez, mesmo abatido por forte gripe. Não brilhou
tanto quanto nos jogos anteriores, e os gols da virada brasileira foram de
Amarildo, Zito e Vavá, único jogador a balançar a rede em duas finais
consecutivas de Copa – Pelé, Breitner e Zidane também marcariam em duas
decisões, mas alternadas.
Há duas versões para o sumiço da súmula
e do assistente, nenhuma delas confirmada oficialmente. No fim dos anos 1990, o
secretário de João Havelange – então presidente da CBD (atual CBF) –, Mozart di
Giorgio, confessou que um avião havia sido fretado para levar Marino até o
Paraguai. A outra versão foi revelada pelo ex-árbitro brasileiro Olten Ayres de
Abreu, que estava no Chile como suplente. A um programa de TV, ele disse que o
juiz brasileiro que apitou naquele Mundial, João Etzel Filho, fora encarregado
de oferecer US$ 5 mil a Marino para “desaparecer”.
Para a história, porém, ficaram os
dribles de Mané nos Joões.
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