terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Tributo a Manoel Francisco dos Santos, ‘Garrincha’

Dominique Beaucant homenageando Garrincha a 18 de outubro de 2014

por Dominique Beaucant
20 de janeiro de 2015

Escrever tornou-se uma forma de arte indescritível através da qual sinto que sou capaz de expressar o amor, a dedicação, a paixão, o respeito e a admiração que tenho por Mané Garrincha. Este tributo reparte alegrias e tristezas de um verdadeiro fã do extraordinário craque. Eu escrevi esta história por dois motivos: em primeiro lugar, porque mesmo não estando fisicamente conosco, Garrincha é uma memória indelével que viverá sempre nos nossos corações; em segundo lugar, porque sinto que é a maneira que tenho de estabelecer a minha própria identidade. É como se dissesse: – “Eis-me aqui, um verdadeiro e ardoroso fã do lendário jogador, querendo transmitir ao leitor o que sinto quando me vem à memória que Garrincha nos deixou há 32 anos.”

Cumpri o meu sonho de escrever um livro sobre o meu ídolo de infância, Mané Garrincha, e o fato de muitas pessoas me escreveram após a edição do livro, faz-me sentir que existe uma harmonia entre nós – que consigo, através da escrita, expressar o que me vai na alma em relação a Garrincha. Nas últimas quatro décadas a minha vida foi ampliada e aprofundada de muitas formas devido à admiração por Garrincha. Garrincha e eu passamos por muitas mudanças e provações na vida. A partir desta perspectiva, olho para trás e vejo Deus agindo em nossas vidas, moldando-nos e amadurecendo-nos a cada obstáculo que nos surge. Esse caminho, em muitos aspectos comum, permitiu-me aceitar, compreender e apreciar o homem que foi Mané Garrincha pelo que ele realmente era: um ser humano maravilhoso e o melhor jogador de futebol que jamais existiu.

Garrincha consumiu a sua vida em uma paixão inigualável pelo futebol. Garrincha foi um talento puro, algo que não se aprende em um clube de futebol. Ele jogou simplesmente por diversão, para alegrar a multidão de adeptos de futebol, oferecendo espetáculos que se tornariam conhecidos por ‘futebol arte’ – expressão nascida pelas sublimes demonstrações artísticas de Garrincha e de Pelé. Se hoje ele estivesse vivo e pudéssemos vê-lo jogar, os nossos queixos caíam até ao chão porque não existe ninguém que possa sequer ser comparado às habilidades mágicas de Garrincha. Os chamados ‘astros’ dos dias de hoje não passam de uma pálida imagem em comparação com o que Garrincha poderia fazer em campo, e são apenas reminiscências daquilo que Garrincha conseguiu fazer há muitas décadas atrás. Diz-se muitas vezes que os discípulos superam os mestres, mas o Mestre dos dribles em um campo de futebol jamais será igualado, nem que passe um milhão de anos!

Mesmo que Garrincha não tenha treinado para ser o melhor como o seu homólogo, jogar futebol era uma ambição de condução que ficou evidente no início de sua vida e que ele mostrou ao mundo que nada poderia tê-lo impedido de se tornar o melhor, embora ele nunca tivesse feito tudo para ser o melhor, porque tudo era natural com ele. É um fato bem conhecido que durante a Copa do Mundo de 1962, realizada no Chile, começaram aparecendo enormes bandeiras nos estádios de futebol nas quais se podia ler: “GARRINCHA, O REI DOS REIS ", denominação injustamente atribuída a Pelé antes.

Desde os meus 12 anos de idade que tenho reunido tudo o que se relaciona com Garrincha. E nem a minha mãe e os meus amigos compreenderam a importância deste grande amor, respeito, admiração e paixão. Hoje percebo que um desejo tão ardente é um dom raro. É como se o pequeno rapaz que eu era entendesse claramente o material do qual são feitios os grandes artistas de futebol como Garrincha. Sinto que foi um dom de Deus.


Deus havia abençoado Garrincha desde o início com um talento único para jogar futebol, e tornou-se óbvio que Deus o estava usando como testemunha em muitos campos. Deus o abençoou aumentando as suas habilidades raras, e ele finalmente se tornou conhecido como o melhor dos melhores durante e após a Copa do Mundo de 1962. E de alguma forma, sem que realmente o quisesse, Garrincha viu a realização de um sonho: ser reconhecido por seus pares e por toda a imprensa, em todo o mundo, que ele é o melhor de todos os futebolistas!

No final da vida Garrincha viu o seu estado de saúde agravar-se e foi hospitalizado em muitas ocasiões. Garrincha enfraquecia e nada parecia ajudá-lo. Será que Mané pensou que estaria pronto para "ir para casa", pedindo desculpas aos verdadeiros amigos que o amavam por não ser capaz de viver por mais tempo? Ele havia resistido o mais que podia, mas penso que ele já não tinha forças para continuar. Muitos dos antigos ‘amigos’ de Garrincha não o apoiaram quando ele mais precisava, e somente um punhado de verdadeiros e leais amigos o acompanharam até ao fim da sua vida. Garrincha foi a "Alegria do Povo", mas será que o povo amou suficientemente Garrincha até ao fim? E eu sinto-me muito triste por esse fim trágico daquele que levava aos campos de futebol os torcedores de outros clubes, simplesmente pelo prazer de presenciarem os maiores espetáculos artísticos que o futebol jamais conheceu.

Em 20 de janeiro de 1983 Garrincha deu o seu último suspiro. Acabara de sair deste mundo e estaria em casa com o Senhor que ele tinha vindo a conhecer tão intimamente ao longo dos últimos anos. Deus deu-lhe uma curta vida na Terra, mas tinha-o deixado ser o seu embaixador no mundo do futebol. Deus tinha contado os dias de Garrincha, e eles se esgotaram. Porém, permitiu-lhe um presente final, um legado muito além do sonho de Garrincha: hoje o seu nome é aclamado e venerado em todo o mundo.

Para aqueles que tiveram a oportunidade de o conhecer e ser seus amigos, Deus deu-lhes a oportunidade de lutarem de alguma forma ao lado dele e compreenderem e apreciarem um homem notável e extraordinário que escolheu não ter ninguém à sua frente, optando por manter firmemente o seu sonho, não desistindo mesmo quando importantes clubes de futebol o rejeitaram com o estigma de ser um aleijado, antes de ingressar no Botafogo que reconheceu as suas habilidades únicas, tornando-se, então, no que Deus queria que ele fosse: o melhor de sempre. E um dia, quando eu ouvir os sinos do céu, tenho a certeza que um desses sinos será o de Mané Garrincha driblando mais um adversário!

"Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.” – Carlos Drummond de Andrade.

Sem comentários:

Botafogo campeão estadual de futebol sub-17 (com fichas técnicas)

Fonte: X – Botafogo F. R. por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo O Botafogo conquistou brilhantemente o Campeonato Estadual de Futebol...