por MAURÍCIO STYCER | Sociólogo, jornalista e crítico
de TV | www.footboom1.com/br
«Nos dois dias que precederam a final da
Libertadores, consumi centenas de vídeos nas redes sociais de torcedores do
Botafogo em Buenos Aires expressando felicidade e êxtase. É verdade que havia
muitos motivos objetivos para tal alegria, mas cada vídeo me deixava mais
desesperado.
Era a primeira vez na história que o Botafogo iria
disputar uma final de Libertadores, o torneio que coroa o melhor time do
continente. A equipe estava em excelente forma, enquanto seu adversário na
final, o Atlético (MG), acumulava resultados ruins.
Para aumentar a emoção em Buenos Aires, quatro dias
antes da partida decisiva na terça-feira, 26 de novembro, o Botafogo havia
derrotado de forma convincente o Palmeiras por 3-1 no Allianz Parque em São
Paulo, retomando a liderança do Brasileirão com duas rodadas para o final.
Foi uma partida espetacular, na qual o Botafogo, como
dizem os jovens, "massacrou" seu maior rival em 2024. O Botafogo
vinha de três empates consecutivos contra equipes consideradas inferiores e os
comentaristas esportivos mais histriônicos apressaram-se em dizer que a equipe
iria "desmoronar" na reta final do campeonato.
Não foi esse o caso. Absoluto em campo, a equipe de
Artur Jorge jogou como se estivesse em casa, ignorando completamente a pressão
da torcida adversária. O primeiro gol veio de Gregore aos 18 minutos,
resultante de uma triangulação ensaiada que não saiu exatamente como planejado,
mas resultou de forma magnífica.
O segundo gol veio de um longo passe do goleiro John,
alcançando Igor Jesus, que tocou para Savarino marcar um belo gol. Aos 43
minutos do segundo tempo, Savarino cobrou um escanteio perfeito para o defensor
Adryelson, um dos vilões da temporada de 2023, cabecear o terceiro gol -- e
derramar lágrimas.
Se é verdade, como muitos afirmaram, que essa partida
foi um ensaio para a final do Brasileirão, o Botafogo deixou o campo como
campeão. Mas aqueles que conhecem o Botafogo entendem que a vitória não pode
ser proclamada muito cedo.
Assim, não consegui dormir nos dias que se seguiram a
essa vitória, que antecederam a final da Libertadores. Como puderam aqueles
jovens torcedores do Botafogo em Buenos Aires ter a coragem de ser felizes e
alegres antes de uma final de campeonato? Como puderam tirar fotos e vídeos
comendo parrillada, bebendo cerveja, brindando e cantando alegremente nos bares
turísticos de Puerto Madero? Em que mundo eles estavam vivendo?
O que ocorreu no Monumental de Núñez em Buenos Aires
no dia 30 de novembro me ajudou a compreender algo importante. Minha
perspectiva sobre o Botafogo havia se tornado obsoleta. Meus medos, minhas
superstições, minhas dúvidas sobre a equipe pareciam irrelevantes para a nova
geração, que via em campo uma equipe extraordinária, confiante e criativa,
brilhante em muitos momentos. O argentino Tiago Almada, o venezuelano Savarino
e os brasileiros Luiz Henrique e Igor Jesus serão lembrados eternamente como
componentes de um dos maiores trios de ataque da história do Botafogo.
Trinta segundos após o início da partida, Gregore foi
expulso por agredir um jogador do Atlético com sua chuteira. O incidente
prenunciou uma tragédia, mas isso não ocorreu. "Vamos correr por
você", disse o defensor Alex Telles ao jogador abalado que deixava o
campo.
Qualquer treinador tiraria um atacante e colocaria um
jogador defensivo, como Gregore, para manter o equilíbrio da equipe. Artur
Jorge optou por não fazer isso. Em uma jogada arriscada que depois se revelou
um golpe de gênio, decidiu manter seu quarteto ofensivo em campo.
No intervalo, o Botafogo vencia por 2-0, com gols do
imparável Luiz Henrique e de Alex Telles, o veterano que cumpriu sua promessa
de correr pelo companheiro expulso. O time mineiro marcou logo no início do
segundo tempo, revivendo meus pesadelos, mas o Botafogo manteve a compostura
mesmo com um jogador a menos e acrescentou mais um gol de Junior Santos aos 48
minutos. Como havia acontecido quatro dias antes, foi mais uma vitória
retumbante por 3-1, indiscutível e espetacular.
Após a vitória na Libertadores, ficou ainda mais claro
que uma nova geração de torcedores do Botafogo estava assumindo o comando.
Notei nas redes sociais uma discussão sobre o belo hino da equipe, composto por
Lamartine Babo (1904-1963) na década de 1940. Muitos jovens torcedores queriam
entender a razão por trás das discrepâncias em relação ao segundo verso da
canção.
No papel, está escrito que o Botafogo é "campeão
desde 1910", mas muitos torcedores cantam "campeão desde 1907".
A causa dessa confusão é que houve uma disputa sobre esse título até 1996,
quando o clube foi reconhecido como co-campeão de 1907 junto ao Fluminense.
De volta ao Rio no domingo, 1 de dezembro, a equipe
desfilou pela orla de Botafogo em um carro aberto, uma celebração que foi
breve, pois os jogadores tinham que viajar para Porto Alegre no dia seguinte.
No dia 4 de dezembro, com um gol de Savarino em outra
jogada belamente ensaiada, a equipe derrotou o Internacional, então melhor time
do segundo semestre do campeonato. Precisando apenas de um empate no domingo, 8
de dezembro, o Botafogo enfrentou o São Paulo e selou o título com uma vitória
por 2-1, graças a gols de Savarino mais uma vez e Gregore, o jogador que quase
arruinou tudo na final da Libertadores. Após 29 anos, o Botafogo se tornou
campeão brasileiro novamente.
Quatro vitórias e dois títulos em 13 dias. Foi, sem
dúvida, o período mais intenso e frutífero da história do Botafogo.
Um ano antes, os torcedores viviam indubitavelmente a
maior tristeza e ressaca de sua trajetória recente. Sei que todo torcedor do
Botafogo carrega em seu coração sua maior decepção e tristeza. Mas atrevo-me a
dizer que é difícil para qualquer tragédia superar o colapso de 2023. Na reta
final do Brasileirão, o Botafogo teve uma vantagem de 14 pontos sobre a equipe
vice-líder com 11 partidas restantes. Eles perderam todas e terminaram em
quinto.
Com seu habitual bom humor e a habilidade de um
anatomista, João Moreira Salles disseca esse desastre. "O Botafogo de 2023
é uma história na qual a catástrofe estava sendo construída sobre uma base de
boas intenções. No recolhimento de nossos quartos, diante da foto de Tiquinho
que colamos na parede, nós, torcedores, devemos admitir que apoiamos a maioria
das decisões tomadas", escreveu em março deste ano na revista Piauí.
As sucessivas trocas de treinadores ao longo da
jornada, enquanto a equipe se mostrava a "mais fácil de amar" da história,
desempenharam um papel decisivo na queda. Embora a tendência natural seja
culpar os responsáveis, o empresário americano John Textor, que se tornara
proprietário da Sociedade Futebol Botafogo (SAF) no ano anterior, não pode ser
responsabilizado pela épica decepção que acometeu os torcedores.
Refletindo sobre a resiliência dessa base de
torcedores, Salles observou: "É difícil não admirar tal capacidade de amar
sem esperar recompensa alguma." Ele acrescentou: "Torcedores
acostumados a vencer gostam de se definir como otimistas. Nós não. Temos
esperança, que é outra coisa. Confiamos que um dia a vitória virá, apenas nunca
a tomamos como certa."
A resistência dos torcedores do Botafogo ao sofrimento
é assunto de muita curiosidade e, eu diria, inveja por parte de torcedores de
times mais ricos e bem-sucedidos. Há muitas explicações para essa paixão que,
em geral, raramente foi recompensada na medida que merecemos.
Parte do mistério de apoiar o Botafogo reside em uma
famosa frase de Lúcio Rangel (1914-1979), jornalista e pesquisador musical que
reconheceu: "Eu não gosto de futebol; eu gosto do Botafogo." Tenho
sentimentos conflituantes sobre essa noção porque amo futebol e derivei enorme
prazer ao assistir uma excelente partida. Mas admito que é difícil viver os
jogos do meu time com um espírito aberto.
Assistir o Botafogo jogar é, geralmente, uma
experiência repleta de sofrimento. Isso se deve ao fato de que, em 120 anos de
história, a equipe não conquistou títulos proporcionais ao talento que colocou
em campo. Não é coincidência que todo torcedor do Botafogo tenha em mente a
informação de que o Botafogo ainda é o maior fornecedor de jogadores para a
seleção brasileira em Copas do Mundo.
Na final de 1958, havia três talentos do Botafogo em
campo: Nilton Santos, Didi e Garrincha. Na final de 1962, eram cinco: Nilton
Santos, Didi, Garrincha, Amarildo e Zagallo. Em 1970, além do artilheiro
Jairzinho, Paulo Cesar e Roberto também foram campeões. É um exagero dizer que
o Santos de Pelé e o Botafogo de Garrincha, Didi e Nilton Santos fundaram o
futebol brasileiro moderno? Não me atreverei a seguir por esse caminho, mas não
parece absurdo engajar-se nessa discussão.
Em uma crônica escrita quando a equipe havia passado
oito anos sem um título em 1956, Nelson Rodrigues esculpiu o perfil do torcedor
do Botafogo em pedra: "O torcedor do Botafogo é diferente: ele compra seu
ingresso como se estivesse adquirindo o direito, que parece sagrado e
inalienável, de sofrer. A verdade é que ele não vai ver futebol. Futebol é um
detalhe secundário, até mesmo desprezível." Ou como Sérgio Augusto
escreveu em seu livro instrutivo e deleitoso sobre a equipe: "Somos
trágicos no melhor e mais grego sentido da palavra."
Não gosto de uma explicação que parece ter inspiração
religiosa, entoada pelos torcedores em dias de jogos dentro do estádio Nilton
Santos. "Botafogo, meu destino / Sua estrela e seu brilho / Me chamaram,
me atraíram / Eu não escolho, fui escolhido." Com todo respeito, eu
escolhi o Botafogo quando tinha 8 ou 9 anos. E também trouxe meu pai, um
americano nascido na Polônia, para a torcida, que gostava de futebol, mas não
tinha time no Brasil.
Outro elemento que alimenta a mística do Botafogo é o
folclore que ajudamos a criar em torno da nossa paixão. Na origem da fama por
ser supersticioso está Carlito Rocha (1894-1981), o líder do time campeão de
1948.
Ele era o proprietário de Biriba, um cachorro que se
tornou o mascote do time, e ele fazia nós nos cortinados do clube para afastar
a má sorte. Nas palavras do hiperbólico Nelson Rodrigues, Rocha
"introduziu o sobrenatural" no futebol brasileiro. A partir de então,
começamos a observar, como notou o cronista Paulo Mendes Campos, que "há
coisas que só acontecem com o Botafogo."
Entre as piores coisas que aconteceram ao Botafogo estão
as gestões de dirigentes amadores, despreparados e, às vezes, malévolos que
arruinaram o clube. Na década de 1970, sob o comando de um apoiador da ditadura
militar, o time vendeu sua sede no bairro onde nasceu.
Entre 1968 e 1989, eles não conquistaram títulos
relevantes, nem mesmo um campeonato estadual. Em 21 anos de seca, estrelas de
primeira linha passaram pelo clube, sem conseguir conquistar um título. Presto
homenagem aqui a dois dos meus maiores ídolos, Marinho Chagas e Mendonça, que
não puderam vestir a faixa de campeão pelo Botafogo.
O inesquecível título de 1989 foi obtido com o apoio
financeiro de Emil Pinheiro (1923-2001), um notório magnata do jogo ilegal,
apaixonado pelo Botafogo. Em 1995, sob a liderança de Carlos Augusto
Montenegro, então presidente do Ibope, o time conquistou o Brasileirão pela
última vez até a vitória deste ano. Um vídeo após a vitória em Buenos Aires
mostra Textor fazendo de conta que limpa os sapatos de Montenegro, que então
retribui o gesto. É uma cena que as novas gerações podem não entender e
certamente não precisam.
Eu pertenço a uma geração nascida no final dos anos
1950 e início dos anos 1960. Muitos de nós escolhemos apoiar o Botafogo por
causa de um ataque composto por cinco jogadores excepcionais: Gerson, Rogério,
Roberto, Jairzinho e Paulo Cesar. Passei minha infância, adolescência e início
da vida adulta sem ver o Botafogo como campeão. Isso não é pouca coisa.
As conquistas da Libertadores e do Brasileirão em uma
semana representam, para mim, uma espécie de fim de um ciclo. Não vou dizer
"agora posso morrer", mas entendo que esses dois recentes troféus
abrem uma nova relação entre mim e o Botafogo.
Espero que os novos torcedores, que celebraram sem
medo antes da final em Buenos Aires, construam uma história mais amena do que a
vivida pela minha geração.»
2 comentários:
Muito bom. O texto é um retrato bastante fiel do Botafogo e seus torcedores. Abs e SB?
Treze grandes textos sobre as nossas conquistas recentes e sobre nós mesmos, que definem bem o nosso perfil de Torcedor Glorioso!
Abraços Gloriosos.
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