O suplício da prisão, a perda da inocência. Clausura insuportável, a vida reprimida atrás das grades. A história de Mara Kanté, o sublimar da resistência humana. Perder tudo numa fração de segundo, entregar-se à inquietação injustiçada, cumprir uma pena em regime de sacerdócio convulso.
Em novembro de 2007 dois adolescentes morrem em envolvimento com a polícia, a revolta instala-se e ardem dez mil carros na região de Paris, desabam prédios esconsos, a juventude insatisfeita sai às ruas e afronta a polícia de Sarkozy. Mara Kanté encontrava-se nessa ação de repúdio. Um tiro perdido acerta um agente das forças de segurança, o gendarme sobrevive, mas Mara Kanté não escapa à prisão. Milhões de sonhos no futebol são esmagados nas pontas dos cassetetes policiais: é culpado de posse de arma ilegal e tentativa de homicídio.
O jovem francês era atleta do Noisy le Sec e treinava à experiência na Udinese e no Cesena. A transferência para Itália foi substituída por cinco anos de prisão. O bom comportamento antecipou a liberdade, Kanté foi à procura de clube e encontrou o Louhans-Cuiseaux (quarto escalão).
«Procuro oportunidades. Seja em Nova Iorque, em Londres ou em Portugal. (…) Este clube convidou-me e tenho jogado sempre. Não imaginam o prazer de estar em campo, sentir a adrenalina, a companhia dos meus colegas. Estou livre e jogo à bola. O resto pouco me importa», diz Mara Kanté aos 23 anos.
O ‘resto’, claro, é dinheiro. E Kanté olha desinteressadamente para o ‘vil metal’: «Ofereceram-me 1500 euros, mas o clube é pobre. Não me pode pagar. Dão-me o que é possível, oferecem-me a casa e a alimentação. Depois do que passei, isto é mais do que suficiente.»
Descendente de senegaleses e um de treze irmãos, o lateral esquerdo nunca teve um ombro ao seu dispor: «Sempre andei na rua e naquele momento achei que tinha de manifestar a minha insatisfação. A polícia tem o seu dever, mas não pode atirar a matar sem razões. Protestei com os meus amigos, sem pegar numa arma. Fui preso injustamente, paguei pelas ações de outros que estavam comigo.»
Mara Kanté dispõe-se mais a dar do que a receber. Acredita nas suas capacidades e sabe que pode jogar num clube de outra dimensão, mas as prioridades são ganhar um salário estável e ajudar no sustento da minha família. «Perdi muitas das manias que tinha, já não desejo o que desejava antes. Umas calças novas, umas sapatilhas da moda, nada disso interessa quando não temos liberdade. O importante é trabalhar bem no meu clube, ganhar algum dinheiro e esperar que a sorte apareça de vez em quando.»
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