segunda-feira, 14 de março de 2011

Eu vinha andando distraído e de repente, Dimba!



[Nota de Mundo Botafogo: O artigo apresentado foi enviado ao Mundo Botafogo pelo nosso amigo Yeroski Perez, que por sua vez é amigo de Renato Aguiar, flamenguista de longa data, que em 1997 escreveu as interessantes linhas publicadas acerca do campeonato estadual daquele ano e que gentilmente concordou em colaborar com o Mundo Botafogo.]

por Renato Aguiar

O Botafogo fez um campeonato irretorquível, com um aproveitamento que teria sido de cem por cento, não fosse o Eduardo Viana ter assassinado a todos os Pitágoras, Keplers e Descartes que jamais pensaram a bela matemática.

Ao inventar uma decisão caça-níquel entre o primeiro e o segundo colocados do campeonato carioca, o que a Federação fez foi decretar o fim da proporção e da ordem, ferindo com a marca do caos o ânimo das torcidas em geral, e do pobre Dimba de modo muito particular, como veremos.

O Botafogo tinha chegado à sua décima vitória consecutiva, quando o insofismável desregulamento do Sr. Viana mostrou de vez a sua carranca devastadora, desvairando meio universo. Ao clube de campanha tão brilhante já não importava ganhar ou perder, pois vitória ou derrota só acarretariam a mesma necessidade sisifista de empurrar montanha acima a partida extra do Cartola.

As intenções da cidade se acirraram, revoltaram-se as esquinas de todas as torcidas. Não havia ônibus, botequim ou banca de jornal em que a indignação de uns não esbarrasse no cinismo de outros.

O Joel Santana, técnico viperino cujo paternalismo não deve enganar, sabedor dos efeitos nefandos do desmando sobre a frágil alma humana, tratou de pôr seus meninos ao abrigo, mandando os reservas jogarem a décima primeira e penúltima partida do time, então com formidáveis 30 pontos, contra um Flamengo de ordinaríssimos 24.

Não me estendo aqui sobre os eventuais deméritos do Flamengo, esse time tão caro e falastrão, mas sobre a simples consideração de que, ganhasse o Flamengo, não teria perdido o Botafogo, e ganhasse o Botafogo, o teria feito em dobro, num prodígio de multiplicação digno de um verdadeiro Churchil a promover a exaustão de Dresde!

O time reserva do Botafogo, aguerrido como um exército de amantes e com o fôlego invejável de um menino de fraldas, despachou o atônito Flamengo, afinal bem satisfeito de perder só de 1 a 0. Mas se teve essa vitória o sabor doce da vingança a deslindar a cartolagem, foi também dela o merecimento peculiar de explicitar a fratura na alma do povo: constatou-se, ó esquizofrenia, que os dois melhores times do Rio eram o Botafogo e o Botafogo!

E foi desse ânimo febril que a torcida dos dois Botafogos foi para o Maracanã, assistir à finalíssima contra o Vasco, pré-classificado. O time do Botafogo, em que a esdrúxula vantagem acabou mexendo, entrou em campo um tanto cabreiro, sob a pressão das suas estrelas solitárias. Marcou bem, é verdade, mas ainda bem que do Vasco só houvesse o fauno Edmundo, que chamou o jogo para si como sempre, contando com a benevolência do árbitro. Toca daqui, toca dali, e o domínio territorial do Vasco não se traduzia em vantagem, apesar de arrepiar os mais recônditos pelos alvinegros em várias oportunidades, como a bola na trave da cobrança de Ramon.

Veio o segundo tempo e, com a entrada de Mauricinho no lugar de um apático Almir, ganhou ímpeto a Cruz de Malta, mas não o bastante para enfunar as velas da partida.

Era desincendiado o domínio vascaíno, mas domínio era ainda assim. A torcida botafoguense, estressada, já começava a pôr fogo pelas ventas, quando, por fetiche e inconsciente, passou a cantar o ponto da sua superstição, "Dimba, Dimba, Dimba" - pedindo, como nas partidas anteriores, a entrada da sorte e de um pouco mais de velocidade nos contra-ataques.

Como o Joel Santana já virou botafoguense, o Dimba entrou em campo e foi logo penetrando pela direita, driblando um monte de vascaínos até quase fazer o centro na linha de fundo. Quase! A defesa do Vasco lhe cortou as asas no lance, mas pouco importa, fora acesa a fagulha! O Vasco teve de vir, e o Botafogo, mais folgado, contra-atacou mais à vontade, até que aos 34 minutos, num centro certeiro da esquerda, o Marcelinho Paulista botou o elegante e meritório Gonçalves na cara do gol, de modo a cabecear com precisão para selar a sorte da Taça Guanabara, a única verdadeiramente carioca.

A bola bateu na trave junto do ângulo, quicou com força no chão e roçou de leve o alto da rede pelo lado de dentro, indo morrer no cantinho. O close sobre ela a repousar nas redes (que também repousavam sobre ela em lânguida promiscuidade) demorou um tempo de narrativa heróica, excessivo para a televisão. É que o cameraman também devia estar possuído, e ficou ali parado, curtindo a cena junto com o cara do corte ou o diretor de TV, sei lá.

Daí em diante foi tudo êxtase frenético, cada vez mais gente se amontoando à beira do campo, até que o juiz apitou. Correu-se de um lado para outro, fez-se uma grande algazarra, e uma brincadeira de roda ainda maior, de não sei quantos homens de diâmetro, de mãos dadas a saltitar em bem um quarto do campo.

Explosões de fogos, gritos... e Deus, meus amigos, muito Deus. Os homens suados de jugular saltada falavam do santíssimo Pai a distribuir justiça e despejar lições de humildade sobre as cabeças dos que não quiseram acreditar que o nosso Botafogo... Mas, e o Dimba? Onde se meteu o Dimba, cacete?!

Procurei por ele ansioso, e ao achá-lo, que surpresa, entendi estupefato o que a injustiça e a perplexidade superadas podem fazer com a mente do ser humano. Final e francamente distendido (borrava-se certamente se estivesse de corpo cheio), lá estava ele de quatro perto do fosso, comendo pacificamente a grama do Maracanã. Imbuído de uma calma estelar e transcendental, levantava de tempos em tempos a fuça bocuda, os olhos semicerrados de reparação, cuspindo pedaços da grama ungida para a torcida agradecida.

Ao seu lado, o repórter, pouco suscetível, deixou passar a chance, talvez única de toda uma carreira, de participar da cena mitológica: Que gosto tem?, limitou-se a perguntar. De vitória, respondeu o outro. De boca cheia, é verdade, mas com o comedimento educado de quem sabe que pode voltar ao pasto, ao seu pasto espiritual.

Parabéns ao Botafogo, campeoníssimo e de vaca sagrada!

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