por
Paulo Marcelo Sampaio
jornalista,
botafoguense
Blog
Arquiba Botafogo
29
/ Agosto / 2013
Quando o juiz
apitou o começo do segundo tempo – nunca gostei dessa raça! – não resisti. Fui
matar o tempo na padaria. Pedi uma sopa de legumes. A TV – que aparelho
estranho esse! – estava ligada no Jornal Nacional. Nem desconfiava o que se
passava no Horto, onde o meu Botafogo jogava. Horto? Nunca tinha ouvido falar
nesse lugar. Pra mim Horto era só aquele ali, a quinhentos passos de onde eu
estava. Lembro-me dos anos 40. Era tempos de areais e lugares ermos. E era no
Horto, a bordo do meu Packard conversível, que trazia minhas pequenas pra
namorar. Depois o banho de cachoeira era certo. Quantas loucuras fiz por aqui,
meu Deus! Será que se eu fosse de outro jeito, teria durado mais? Teria
realizado meu segundo sonho? Porque o primeiro eu realizei. Nada me deu mais
prazer do que vestir aquela camisa preta e branca. Mas eu queria tanto jogar a
Copa de 50. Fui um jogador da Era Sem Copas. Chega dessa conversa. O que
passou, passou.
A sopa esfriava. De
propósito eu comia bem devagar. Assassinava o tempo. Paguei a conta e decidi
vagar pelas ruas. Vi de rabo de olho o monitor que passava o jogo. Perdíamos.
Por dois a um. Eu, que já dissera que o Botafogo não é lugar pra covardes, me
senti culpado. É que nunca fui de ouvir nem ver jogos quando não estava neles.
Lá em Barbacena, onde morri num sanatório, acompanhava os resultados só no dia
seguinte. Resolvi tentar. Assim que sentei num pé-sujo, Dória, com a
determinação típica dos centerforwards, empatou. O vizinho me alerta que o
rapaz carequinha é beque. Estranhei. Como mudou esse futebol.
O jogo estava até
controlado, mas senti palpitações. Como seria a sensação de morrer de novo? Não
quis saber. Não quis arriscar. E voltei de onde tinha saído. Na entrada do céu,
vi seu Carlito com um rosário nas mãos. Ô homem pra rezar, pensei. Com tantos
diabos no meu corpo, nem um milhão de aves-marias nem outro milhão de
pai-nossos me livrariam do inferno. Mas Deus é misericordioso e eu estou aqui.
Nem todos por aqui são compreensivos. O goleiro Oswaldo Baliza vira o rosto quando
cruza comigo. Entendo. Aqui todos sabem de tudo que se passou lá em baixo. Era
eu fazer um gol, e ele tomar dois. Se eu tivesse feito dois, ele tratava de
tomar três. Isso me deixava puto de raiva. Outros gostam de conversar, como o
Garrincha, com quem nunca joguei, mas que fez questão de me visitar lá no
sanatório. Quer saber das mulheres que conquistei. E emenda com suas aventuras
amorosas. Estranho. Como pode um homem desconjuntado desses ter tido tantas
pequenas?
As conversas surgem e
vão embora. E nada do tempo passar. A dez metros de onde estamos, Otávio está
debruçado numa prancheta. Óculos na ponta do nariz, lapiseira daquelas com
grafite finíssima, o homem com quem fiz a melhor dupla de ataque de todos os
tempos projeta um área de lazer que o prefeito daqui, o tal do São Pedro, nos
prometeu. De repente, ele dá um pulo no banco e se esparrama no chão. Corremos,
Garrincha e eu, para socorrê-lo. Mas ele já está de pé. Ergue o braço, cerra o
punho e faz o V da vitória. Tira o fone do ouvido e avisa. “Malandro, acabou!
Estamos classificados!”
Vou dormir em
paz.
Heleno de
Freitas
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