Chorar acalma a alma

por LÚCIA SENNA, escritora e cantora

escrito para o blogue Mundo Botafogo

Choro com muita facilidade e isso já é felicidade. Não, não é apenas uma rima. É uma constatação.

Sei de gente que não consegue chorar. Quer chorar, sente necessidade de chorar, mas as lágrimas não acontecem, não rolam. Essas pessoas se sentem sufocadas, com o peito oprimido, o coração partido e o choro, simplesmente, não vem. Nada mais desesperante, angustiante, frustrante, pois choro é calmante, é faxina interior, deixando a alma lavada, brilhante.

Choro é reconfortante. Confesso que por várias vezes programei chorar. Bem, pensava... Agora não dá, estou super ocupada, o trabalho me chama, o colega reclama, o chefe não me ama, o aumento não veio, as contas estão vindo pelo correio.

Mas quando a noite chegar e na minha cama deitar, agarrada com o meu travesseiro, em posição fetal, eu vou é chorar! Vou chorar muito e ai de quem me interromper. 

E o choro sai aos borbotões! Choro pela covardia dos vilões, pela meninada da periferia, pelas últimas manchetes dos jornais, pelos abusos sexuais, pelos sofridos pais e por muito, muito mais...

Dou uma esticada no choro e choro ainda por mim, por meus parcos recursos financeiros, estou devendo a terceiros, o cartão de crédito estourou, não sou mais quem eu penso que sou. O namoro desandou, o telefone não tocou mais, o celular pifou, a plástica tão programada foi sumariamente adiada.

O Cazuza dizia que o tempo não para, mas meu mundo está caindo, soterrando minha autoestima! Minha cara está inchada, os olhos, vermelho sangue, o nariz para lá de entupido, as bochechas de tão inchadas estão pesadas, mas a alma está leve, esvaziada, desestressada.

O choro funciona como um Roto Rooter, desentupindo e retirando de nossas entranhas todos os ‘sapos’ engolidos, todas as ‘saias justas’ que nos fizeram usar, todas as respostas que, naquela ocasião, deveríamos ter dado e não tivemos a presença de espírito necessária. Todo o ‘sim’ quando o razoável teria sido o ‘não’; todo o ‘não’, que teima em se passar por ‘sim’.

Enfim...

Gente há que tem vergonha de chorar. Outras choram a toda hora, a todo o momento. Já fazem do choro um espetáculo à parte. Outras só choram no escurinho, sem plateia, agarradas a um lencinho romanticamente perfumado e, após o uso, guardado no decote um tanto ou quanto despudorado.

Algumas deixam escorrer apenas uma lágrima olhando distante para algum ponto do horizonte, esbanjando sexualidade e um quê de vaidade, pois, apesar da tristeza, não podem manchar a maquiagem.

Existem ainda certas mulheres que ficam apenas com os olhos úmidos, lindos, lubrificados por duas ou três lágrimas malabaristas que não caem de jeito algum. Estas são sempre, ao menos nas nossas fantasias, fascinantes, donas de personalidades marcantes, envolventes, insinuantes, que Hollywood soube muito bem explorar.

E o que dizer das que choram escandalosamente? Estas choram e gritam ao mesmo tempo, sacodem o corpo inteiro, parecem a bateria do Salgueiro, passam a mão no já desgrenhado cabelo e não há quem dê jeito, pois o que elas querem é chorar.

Chorar é entrar em contato com as nossas próprias emoções. É estar antenada com o nosso próprio interior. É rir pelo avesso. Afinal, todos nós já choramos de felicidade, já choramos no Arpoador, diante da beleza de um final de tarde, já choramos de emoção assistindo ‘aquele’ gol mais que sonhado, no último minuto do segundo tempo e que deu o campeonato ao nosso querido Botafogo.

Já choramos de tanto amor, do que foi bom e deixou saudade, ao ouvir uma bela canção do Roberto, já choramos por certo ao ouvir Vinícius e Tom e rimos de chorar ao relembrar daquela marca de batom que deixamos onde não deveríamos ter deixado... que azar!

Chorar é vital! É fundamental! Portanto, não tenha vergonha. Sentindo necessidade, chore. Não há contraindicação, pois é um Lexotan natural. 

E em relação aos homens? Quem disse que homem não chora? Que conceito mais preconceituoso! Na verdade, homem que se preza chora. E, além disso, que mulher consegue resistir ao choro masculino? Pense nisso da próxima vez que ficar com aquele nó preso na garganta. Desate o nó e se afogue com as suas lágrimas. Elas, sem dúvida alguma, vão lhe fazer muito bem.

E por falar nisso, você já deu sua choradinha hoje?

Texto: LÚCIA SENNA; Imagem: FERNANDO MOURA PEIXOTO.