Heleno de Freitas nasceu a 12 de Fevereiro de 1920 e São João Nepomuceno e faleceu a 8 de Novembro de 1959 em Barbacena. Heleno [ao lado, fotografia no famoso 'Jogo do Senta'] foi considerado o primeiro craque ‘problema’, porque era absolutamente intempestivo em campo e conseguiu angariar muitas expulsões e inimigos. Nervoso, arrogante, polémico e praticamente intratável, Heleno também foi advogado, boémio, galã e genial a jogar futebol. Ganhou fama e dinheiro e era uma das presenças marcantes das noites cariocas, sempre impecavelmente vestido, gomalina nos cabelos e um sucesso nos salões da época que só as actuações em campo conseguiam rivalizar. Privou sempre com mulheres bonitas e homens inteligentes, tornando-se amigo íntimo da família do presidente Peron quando jogou pelo Boca Juniors.
No famoso ‘Clube dos Cafajestes’, ao qual pertencia, Heleno era apelidado de ‘Gilda’, tal como pela torcida do Fluminense, devido ao seu temperamento ter sido associado ao nome de uma personagem da actriz Rita Hayworth, intempestiva e voluntariosa. Quando assim o chamavam durante os jogos, Heleno enfurecia-se e era capaz de tudo, desafiando a torcida e nunca se dando por vencido. Heleno era a imagem do clube brigão e lutador, como Mário Filho fez notar, e por isso era o símbolo de um Botafogo guerreiro. Antes da ‘Era Garrincha’, Heleno foi, sem dúvida, o maior craque de corpo e alma do Botafogo e um dos maiores jogadores do futebol brasileiro de todos os tempos.
Heleno era um craque altamente refinado: os seus passes iam sempre direitinhos aos pés dos companheiros. Para Heleno, um drible ou uma bola no meio das pernas do adversário era mais valorizado do que uma bola que entrava por ‘acaso’. Em 1927, aos sete anos de idade, o jovem mineiro já jogava futebol no segundo quadro do infantil do Mangueira, na sua cidade natal.
Após ir para o Rio de Janeiro começou a frequentar as areias do Posto 14 onde Neném Prancha, o ‘filósofo do futebol’, procura ‘revelações’. ‘Seu Neném’ era treinador das camadas jovens do Botafogo. Conta-se que na fantasia o ‘filósofo’ ficava atrás de um tabuleiro de laranjas como se fosse vendedor no areal de Copacabana e jogava uma fruta para cada garoto. A reacção de cada um determinava se era ‘craque’ ou ‘cabeça-de-bagre’. Então, Heleno de Freitas, com 12 anos, amorteceu uma laranja na coxa, deixou-a cair no pé, fez embaixada, levou-a à cabeça, trouxe de volta ao pé, deu ao controlo do calcanhar. Neném acabara de descobrir o mais fino e intempestivo craque brasileiro.
Heleno foi aprovado no Botafogo e, em 1935, aos 15 anos, estreou-se oficialmente pelo Glorioso da estrela solitária. Mas os estudos e o trabalho não lhe permitiram ser assíduo e Heleno acabou por deixar o Botafogo quando a secção juvenil foi extinta. Entretanto, ingressou no Fluminense, mas como o Botafogo era amador e o Fluminense profissional, Heleno jogou durante algum tempo em ambos os clubes. Mas a partir de 1940 Heleno integra definitivamente a equipa da estrela solitária após uma série de brigas com o clube das Laranjeiras. Nesse ano o campeonato foi disputado até ao último jogo e Heleno já era titular, entrando com a enorme responsabilidade de substituir o grande goleador que foi o tetracampeão carioca Carvalho Leite.
Daí por diante Heleno tornou-se o mais clássico, o mais técnico e o mais elegante dos avançados do futebol carioca e brasileiro. Entre 1940 e 1947, a carreira do jogador tornou-o a vedeta da equipa, acabando por ser o artilheiro por sete anos consecutivos: 1941 (24 gols), 1942 (28 gols), 1943 (09 gols), 1944 (10 gols), 1945 (13 gols), 1946 (22 gols) e 1947 (11 gols).
A sua carreira atingiu um pico em 1945, quando se tornou artilheiro do campeonato sul-americano realizado em Santiago, no Chile. Heleno ganhou fama e teve a honra de ter sido o mais badalado jogador num ataque composto pelos fabulosos Zizinho, Tesourinha, Heleno de Freitas, Jair Rosa Pinto e Ademir.
Porém, ao lado da consagração começava também um drama. Nessa mesma época, a sífilis começava a minar-lhe o sistema nervoso. O apelido de ‘Gilda’, mulher temperamental e voluntariosa, era constantemente gritado pelos adversários e mexia cada vez mais com os nervos do artilheiro. Apesar da postura elegante dentro e fora de campo, nem por isso deixava de armar confusões. Brigava constantemente nos jogos e fora deles, e até se zangou com o presidente Benjamim Sodré, que o chamara à atenção pela vida boémia que levava. Passou então a ser visto pela torcida como um jogador indisciplinado e mal comportado. Após muitas brigas é vendido ao Boca Juniors. O substituto de Heleno, Pirillo, tricampeão pelo Flamengo em 1942-43-44, foi campeão pelo Botafogo em 1948, no ano seguinte à saída de Heleno…
Mas o craque volta no ano seguinte ao Brasil para jogar no Vasco e sagrar-se campeão. Porém, os problemas permanecem, é vendido ao Atlético de Barranquilla (Colômbia) e depois regressa ao Brasil por causa da sífilis cerebral que o mina. Ainda joga no Santos e no América (RJ).
Heleno marcou a sua passagem pelo Glorioso com 204 gols em 233 jogos, tornando-se o quarto maior artilheiro da história do clube. Deixou General Severiano em 1948 e foi para o Boca Juniors (a maior transacção do futebol brasileiro até aquela época), mas regressou para actuar pelo Vasco (onde foi campeão estadual, em 1949). Porém, num treino saiu de campo a esbravejar e dizendo: “Estes dois [apontou Maneca e Ipojucan] não me passam a bola porque não querem. Aqueles [indicou] não passam porque não sabem. Não tenho nada a fazer aqui”. Depois discutiu com Flávio Costa, apontando-lhe uma arma descarregada. Acabou liberado para o Atlético de Barranquilla, da Colômbia, onde jogavam Tim e outros astros. Depois esteve no Boca Juniors (1951), América do Rio (1951), Atlético Barranquilla (1951-52) e Santos F. C. (1953).
Apesar do seu brilhantismo, Heleno apenas conquistou o título carioca de 1949. Pela selecção brasileira marcou 15 gols, fazendo 265 gols em toda a sua carreira. Uma avaliação às médias de Heleno por jogo mostra que ele estabeleceu dois recordes significativos: na temporada de 1946 assinalou 42 gols em 33 jogos à média de 1,27 gols por desafio; entre 1939-1948 fez 209 gols em 235 jogos oficiais à média de 0,89 gols por desafio – recorde de média de gols por desafio no Botafogo de Futebol e Regatas.
Após onze anos jogando futebol, Heleno de Freitas entrou para a história como um dos maiores craques do futebol sul-americano. A sua arte deslumbrara os torcedores e Heleno foi apelidado de ‘o craque’, ‘o artista da bola’, ‘o mito do futebol’, ‘o artista das multidões’, ‘o craque galã’, ‘o diamante branco’, ‘a elegância do futebol’, etc., epítetos que evidenciam a figura ímpar de Heleno.
Heleno teve o mundo a seus pés, mas morreu sem glória e esquecido num sanatório de Barbacena, em 1959. No filme, dizia-se que "nunca houve uma mulher como Gilda"; no futebol, também nunca havia existido ninguém como Heleno de Freitas. O seu futebol encantou o mundo e em Barranquilla, na Colômbia, foi erguida uma estátua em sua honra sob o título de “El Jogador”.
Leituras recomendadas sobre Heleno de Freitas
· Falcão, António (2002), “Heleno de Freitas”, em Um sonho em carne e osso, os fora de série do futebol brasileiro, Recife: Editorial Bagaço, Recife [disponível em
http://www.contrapie.com/vercronicas.asp?ID=690&idioma=3]
· Neves, Marcos (2006), Nunca Houve um Homem como Heleno, Rio de Janeiro: Editora Ediouro
· Nogueira, Armando (1973), “Heleno: Anjo e Demónio”, em Bola na Rede, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora [disponível em
http://www.contrapie.com/vercronicas.asp?ID=522&idioma=3]
Fontes principais