sábado, 8 de dezembro de 2007

Club de Regatas Botafogo, os anos mágicos do remo


O Club de Regatas Botafogo nasceu dos ideais amadores de Luiz Caldas e de outros remadores que o acompanharam na defesa do desporto-rei da época. A importância do clube tornou-se tão grande no remo que Ernesto Curvello Júnior, grande incentivador da prática do remo, e que na época assinava crónicas nos jornais como waterman, considerava o Botafogo “a pira sacrossanta e atalaia da tradição do sport”.

À ética do Grupo de Botafogo, rapazes publicamente contra as apostas no remo, juntou-se a politização dos seus remadores, oriundos de estratos sociais elevados, que partilhavam um sentimento anti-governamental, configurando-se o drama que deu origem ao nascimento oficial do Club de Regatas Botafogo, em 1894, na sequência da Revolta da Armada.

Três anos mais tarde, o Botafogo, o Gragoatá, o Icarahy, o Flamengo, o Veteranos do Remo e o Praia Vermelha, após infrutíferas tentativas, fundaram a primeira liga oficial de remo no Rio de Janeiro, tendo como presidente o Capitão-de-Mar-e-Guerra Eduardo Ernesto Midosi.

Este percurso do Botafogo é fundamental para o remo carioca singrar e ocupar um lugar de relevo no século XX. Olavo Bilac, apaixonado pelo Botafogo e pelas regatas proferiu, em Junho de 1900, a seguinte frase lapidar:

"Dia virá em que se há de reconhecer a grandeza dos serviços que os clubes de regatas estão prestando ao Brasil."

A luta encetada naquela época resultou que as apostas e as casas de poule foram banidas em 1905, desiderato pelo qual tanto lutaram os botafoguenses, fazendo o remo retomar as suas tradições de desporto popular desde os tempos em que os portugueses fizeram as primeiras corridas de canoas.

Efectivamente, a origem das regatas no Brasil remonta, segundo alguns relatos, ao mês de Janeiro de 1567, quando o português Francisco Velho, tendo ido ao mato para obter madeira destinada à construção de uma capela, foi emboscado por franceses e tamoios, tendo resistido epicamente ao ataque e originado uma formidável batalha junto ao Morro da Glória, na qual cinco canoas portuguesas venceram cento e oitenta tamoias, por obra do ‘aparecimento’ do próprio São Sebastião, ficando o embate registado para a história como a ‘Batalha das Canoas’.

Estácio de Sá conseguiu, assim, consolidar a conquista da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A fim de se comemorar o acontecimento, no ano que se seguiu, e todos os anos em Janeiro, passou a realizar-se a ‘Festa das Canoas’, consagrando-se o remo como um desporto popular.

No final do século XIX, e início do século XX, o remo era efectivamente o desporto mais popular do Rio de Janeiro. Todos os Domingos, onde actualmente se situa o Aeroporto Santos Dumont, a praia das Virtudes ficava repleta de gente que vibrava com as corridas de barcos na Baía de Guanabara. Durante muito tempo, quando os cariocas queriam dizer que o Domingo amanhecera bonito e ensolarado, diziam simplesmente:

“Hoje está um Domingo de regatas.”

As provas eram todas muito apreciadas, mas o ‘oito’ ficou especialmente consagrado num extraordinário texto de Jorge Medeiros da Silva:

“É o gigante! (…) A sincronia orfeônica do voga ao proa, sob a batuta do timoneiro, dá ao barco a feição de um coral, em que vozes distintas de timbres diversos se fundem na mais vigorosa harmonia. Movimentos perfeitos de remos esguios desenham formidável coreografia. (…) O "oito" empolga. (…) Tudo se passa como passa a própria vida: rápido, instantâneo, fulminante, fica no éter o eterno: a beleza inconfundível da disputa, o feitiço artístico do mais sensacional de todos os barcos: o oito.” [ver texto completo em http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/docs/menu6.html]

Olavo Bilac, que baptizou o Salamina, um dos barcos do Botafogo, também descreve extraordinariamente as emoções do remo naquela época. Bilac narra assim as regatas:

“Anteontem, na Praia de Botafogo. (…) Entre ondas de povo, passavam as carruagens, conduzindo gente alegre. E a vozeria da multidão em terra, e a matinada ensurdecedora das lanchas no mar, apitando, enchiam o ar de riso e delírio. (…) Um tiro de canhão soou de repente. Das arquibancadas dos clubes, das janelas das casas, do parapeito do cais, todos os olhares se dirigiam para a curva da baía. (…). Era a regata do "campeonato do remo em 1900", que começava. (…) Partem as baleeiras, que disputam a glória do campeonato. (…) São seis, os barcos que entram na justa naval. (…) E as baleeiras voam, diminuem, somem-se, devoram os primeiros mil metros do páreo e ganham o costado do morro e voltam. São minutos de espera, que a ansiedade transforma em séculos. Da praia, os olhos chamam e sugam as baleeiras. Cruzam-se gritos desencontrados, clamando nomes: - É Vésper! É Vésper! - Natação! - Barigui! - Diana! - Vésper! - Miragem! - Leda! Leda!... (…) Mais alguns segundos. As baleeiras ganham os postes. (…) Ressoam aplausos. E o nome da vencedora corre de boca em boca: - Vésper! Vésper! Vésper!... Meninos! Foram músculos como esses que ganharam a Batalha de Salamina!” [ver texto completo em http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/docs/menu6.html]

Nestes anos mágicos para o remo, durante os quais surgiram os grandes clubes do Rio de Janeiro, como o Botafogo, o Flamengo e o Vasco da Gama, o Club de Regatas Botafogo conquistou os seus primeiros títulos nas regatas.

Em 1899 o clube sagrou-se Campeão Estadual de Remo da Cidade do Rio de Janeiro, em baleeira a quatro remos em corrida de 1.600 metros, o que faz do actual Botafogo de Futebol e Regatas o único clube brasileiro campeão em três séculos.

Porém, o Club de Regatas Botafogo também conquistou o I Campeonato Brasileiro de Remo, em 1902, disputado em canoa, na distância de 1.000 metros, vencido pelo atleta António Mendes de Oliveira Castro Filho, remando a lendária embarcação botafoguense ‘Diva’ que venceu as 22 regatas que disputou, o que transformou o Botafogo no primeiro clube brasileiro a conquistar um título de dimensão nacional em qualquer desporto.

Nesse ano de 1902 completou-se a fundação dos quatro maiores clubes do Rio de Janeiro com o surgimento do Fluminense. O Flamengo nascera em 1895 e o Vasco da Gama em 1898, ambos para as regatas, enquanto o Fluminense nasceu para o futebol. É certo que o Botafogo Football Club seria fundado apenas em 1904, mas a sua fusão, em 1942, com o Club de Regatas Botafogo, antecipa o nascimento do actual Botafogo em dez anos.

Dos três maiores rivais no Rio de Janeiro, o Botafogo está ligado ao Flamengo praticamente desde o início da fundação do clube rubro-negro e foi com ele que efectuou o seu jogo ‘pioneiro’ no futebol. Como se prenunciasse que o Botafogo havia de fundir as regatas e o futebol em 1942…

Efectivamente, o Clube de Regatas Flamengo nasceu por reacção da rapaziada do Flamengo aos remadores do Botafogo. Ruy Castro, rubro-negro apaixonado, refere-se ao fenómeno dizendo que o desporto da moda era o remo e que os remadores do Botafogo “vinham remar no Flamengo e conquistavam as moças com seus músculos de ferro”. O autor descreve que os calões iam até aos joelhos e que as camisetas sem mangas mostravam braços capazes de carregar uma canoa e remar tal como ‘deuses da mitologia’. Ruy Castro conta que algumas moças aceitavam convites dos remadores botafoguenses para passearem na baleeira ‘Étincelle’, que à época era a mais famosa do clube da estrela solitária. Então, as moças sentiam-se entusiasmadas, mas “os rapazes da praia do Flamengo não gostavam nem um pouco daquilo. E quatro deles resolveram tomar providências”. [ver narração completa em Castro, Ruy (2004), Flamengo – o vermelho e o negro, Rio de Janeiro: Editora Ediouro].

As providências corresponderam à criação de um clube que rivalizasse com o Botafogo. Porém, após a fundação, o barco ‘Pherusa’ dos rubro-negros naufragou na primeira saída e os remadores foram salvos por uma lancha. Entretanto, na primeira regata que disputaram, a nova baleeira ‘Sycra’ largou no Gragoatá, em Niterói, mas como a tripulação almoçara um bacalhau à portuguesa regado com vinho verde, sentiu-se mal durante o percurso, embateu numa bóia de sinalização e foi uma lancha do Botafogo que rebocou a guarnição do Flamengo para terra firme. Porém, estes desaires não fizeram os rapazes rubro-negros desistir. A sua persistência fez nascer um clube com futuras tradições no remo e em muitos outros desportos.

Nasceu, assim, uma das maiores rivalidades do Rio de Janeiro. Mas, não obstante a glória obtida pelo Botafogo no remo, o futebol começava a dar os seus primeiros passos e foi com o Flamengo que os remadores botafoguenses ensaiaram o seu primeiro jogo.


A 27 de Outubro de 1903 o Jornal do Commercio narra uma partida de futebol realizada dois dias antes, precisamente entre os remadores do Club de Regatas Botafogo e do Clube de Regatas Flamengo. O jogo decorreu no campo do Paysandu e teve como resultado 5x1 favorável aos alvinegros, embora nenhum dos clubes possuísse secção de futebol. Porém, o Botafogo havia sido reforçado por atletas do Fluminense. Alinharam pelo clube da ‘estrela solitária’: Schuback, Freire e Cox; Shorts, M. Rocha e R. Rocha; Masset, Frias Júnior, Costa Santos, Hime e Chaves Júnior. Os gols foram marcados por Costa Santos (2), Chaves Júnior, Hime, e Frias Júnior.

Um ano após o jogo de futebol entre remadores do Botafogo e do Flamengo, nascia o Botafogo Football Club…

Fontes principais
Castro, Ruy (2004), Flamengo – o vermelho e o negro, Rio de Janeiro: Editora Ediouro
Pepe, Braz; Miranda, Luiz; Carvalho, Óscar (1996), Botafogo o Glorioso – uma história a preto e branco, Petrópolis: Ney Óscar Ribeiro de Carvalho
http://lauroantonioapresenta.blogspot.com/2006/08/literatura-e-futebol-2-aqui-h-tempos.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Botafogo_de_Futebol_e_Regatas
http://www.constelar.com.br/revista/edicao74/botafogo3.php
http://www.crpiraque.com.br/cronicas/historia_remo_carioca.htm
http://www.ediouro.com.br/livros_vote.asp?isbn=8500015896&pag=1
http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/docs/menu6.html

4 comentários:

leymir disse...

Que maravilha!!!!!

Ruy Moura disse...

Às vezes as trajetórias dos clubes, os seus encontros e desencontros valem muito mais do que meros títulos!

Grande abraço.

Seara Neto disse...

Muito bom!!!

Ruy Moura disse...

Muito obrigado, Seara Neto. Confesso que foi um dos textos que mais gostei de escrever para o dia de lançamento do blogue, que faz 14 anos em dezembro.

Grande abraço.

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