quarta-feira, 30 de março de 2011

O ‘Clube dos Cafajestes’


O ‘Clube dos Cafajestes’ era uma turma da fuzarca que alegrou a vida carioca nas décadas de 1940 e 1950 e que era composta por rapazes folgazões e irreverentes, uns nascidos em famílias da alta burguesia e outros bem instalados na vida, sempre rodeados de belas mulheres.

Nenhum desses rapazes levava desaforo para casa e a ‘seriedade’ não era muito apreciada entre eles, já que gostavam de uma boa briga e de fazer coisas absolutamente inusitadas e provocatórias. Criativos, corajosos e mulherengos, estes rapazes andavam juntos durante o ano inteiro, abafavam no carnaval e nas suas disputadas festas não faltavam boas bebidas, excelentes orquestras e belíssimas mulheres.

O grupo foi fundado e liderado pelo ‘fanático’ botafoguense Edu (Eduardo Henrique Martins de Oliveira), comandante da Panair do Brasil, que foi jogador juvenil do Botafogo no início da década de 1930, com Althemar Dutra de Castilho (futuro presidente do Botafogo), e padrinho de casamento do futebolista Heleno de Freitas, que era outro ‘fanático’ botafoguense membro do ‘Clube dos Cafajestes’.

Além de Edu e de Heleno, os membros do ‘cafajestes’ eram, entre outros, Alberto Sued, Baby Pignatari, Bubi Alves (botafoguense), Carlos Niemeyer (piloto da aviação comercial), Carlos Peixoto, Carlos Roberto de Aguiar Moreira (secretário-geral particular do presidente da República), Cassio França, Celmar Padilha, Darcy Froes da Cruz, Ermelindo Matarazzo (milionário que era goleiro reserva e torcedor botafoguense), Ernesto Garcez Filho, Fernando Aguinaga (botafoguense), Francisco Albano Guize, Helio Leitão de Almeida (FAB), Ibrahim Sued, Ivan Cardoso Senior, Jorginho Guinle, Léo Peteca, Mário Saladini, Mariozinho de Oliveira, Oldair Froes da Cruz, Paulo Andrade Lima, Paulo Soledade (piloto da aviação comercial), Príncipe Dom João de Orleans e Bragança (oficial-reformado da Força Aérea Brasileira), Raimundo Magalhães, Raul Macedo (botafoguense), Sérgio Pettezzoni, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Vadinho Dolabella e Waldemar Bombonatti (botafoguense e namorado de Linda Batista).

As ‘cafajestadas’ eram tramadas na Confeitaria Alvear, em Copacabana, na avenida Atlântica, esquina com a República do Peru, que não raras vezes terminavam com a intervenção da Polícia Especial, na qual se contavam, entre outros, Mário Vianna e Paulo Amaral, que se apresentavam de quepes vermelhos, acelerando as suas Harley Davidson e ilimitadamente dispostos em transformar uma pequena briga em conflito generalizado com os ‘cafajestes’. Eis uma curiosa descrição do ‘Clube dos Cafajestes’ (Sérgio, 2000: 82): A alma de uma cidade – lugares, fatos e personagens cariocas – reminiscências & lorotas, Rio de Janeiro, Ediouro Publicações]

“Mas aqueles moços nunca rejeitavam uma boa confusão, então onde o Grupo dos Cafajestes estivesse metido, haveria possibilidade de tudo, menos de monotonia. Com eles na jogada podia baixar porrada, baixar o santo, baixar a maré, baixar as calças, baixar o nível, baixar o preço, baixar a voz, baixar uma ordem, baixar o calão, até baixar à sepultura, baixar qualquer coisa, menos o tédio.”

Porém, o ‘Clube dos Cafajestes’ nunca mais foi o mesmo desde 28 de Julho de 1950. Nesse dia, o PP-PCG, pilotado pelo famoso Edu – líder do ‘Clube dos Cafajestes’ – decolou do Galeão em direção a Porto Alegre com 43 passageiros e sete tripulantes a bordo. Quando o avião atingiu a vertical de Porto Alegre o comandante avisou a torre do Aerodrómo de São João que estava pronto para aterrissar, mas a pista era de terra e não suportava o peso de Constellations e Douglas DC-7. Por isso, o PP-PCG foi desviado para a pista asfaltada da Base Aérea de Gravataí, mas que não possuía instrumentos de aproximação.

O Constellation fez duas tentativas de pouso, mas não conseguiu descer, acabando por colidir com o Morro do Chapéu, em Sapucaia do Sul, às 19 horas e 49 minutos, naquele que foi  o maior acidente aeronáutico da América do Sul à época, e o maior do Rio Grande do Sul até hoje.


Nessa noite, os membros do ‘Clube dos Cafajestes’ estavam de plantão na Alvear à espera do regresso de Edu, voltasse à hora que voltasse, porque encomendara diversos quilos da melhor carne gaúcha para o churrasco que iria promover na Alvear até altas horas da madrugada. Mas não houve sobreviventes do acidente aéreo: Edu desapareceu precocemente do mundo dos vivos.

A tristeza abateu-se sobre o grupo, e paulatinamente surgiu uma música, que não se pretendia que fosse divulgada, mas que acabou sendo cantada no Brasil inteiro pelo carnaval de 1951. A primeira vez que foi cantada, a música saiu muito lenta, quase num lamento. Fernando Lobo escreveu a letra e Dalva de Oliveira gravou-a, saindo assim (Porto, 2005: 96):

Oi zum, zum, zum, zum, zum, zum, zum,
Tá faltando um
Oi zum, zum, zum, zum, zum, zum, zum,
Tá faltando um
Bateu asas foi embora, desapareceu
Nós vamos sair sem ele
Foi a ordem que ele deu
Oi zum, zum, zum, zum, zum, zum, zum,
Tá faltando um
Oi zum, zum, zum, zum, zum, zum, zum,
Tá faltando um
Ele que era o porta-estandarte
E que fazia alaúza e zum, zum
Hoje o bloco sai mais triste sem ele
Tá faltando um
Oi zum, zum, zum, zum, zum, zum, zum,
Tá faltando um
Oi zum, zum, zum, zum, zum, zum, zum,
Tá faltando um

Uma das matérias mais interessantes sobre o ‘’Clube dos Cafajestes’ foi publicada em 26 de Abril de 2004, sob a forma de entrevista a Mário Saladini, filho de Raquel e Ercole Enrico Saladini, dois imigrantes italianos, viúvos, que se conheceram e se casaram em São Paulo, em 1914. Saladini nasceu um ano depois, em 16 de Maio de 1915, e tornou-se um famoso ‘cafajeste’, dono de um humor contagiante e protagonista de uma vida mais parecida com um filme do que com a realidade.


A entrevista sobre a vida de Saladini (falecido a 09.09.2009 com 94 anos de idade) é recheada de casos engraçados do ‘Clube dos Cafajestes’, entre outras histórias (www.velhosamigos.com.br):

“LOU: Você é do Clube dos ‘Cafajestes’. Me conta esse babado.

MÁRIO: Eu sou um dos criadores. Era o instituto da boêmia carioca. Foi criado no meu apartamento, na Av. Atlântica, esquina da República do Peru. Em cima do Alvear. E ali iam jovens da sociedade, aos sábados e domingos. Depois que saíam do Botafogo e do Fluminense, daquelas tardes dançantes, iam para lá. E lá estava a juventude daquela época.

Éramos um grupo de jovens entre 25 e 30 anos, alegres, de classe média ou ricos; éramos todos mulherengos e vivíamos cercados de mulheres deslumbrantes. O nosso esporte era rir, beber e, entre outras coisas, fazer as maiores estrepolias por toda a cidade. Éramos unidos em uma amizade que perdura até hoje, despojada de preconceitos. O clube primava pelo espírito de gozação, esse espírito nosso bem carioca, embora nem todos tivessem nascido aqui no Rio.

LOU: Todos trabalhavam?

MÁRIO: Nós usávamos este título: ‘cafajestes’, mas não tínhamos nada de cafajestes. Quase todos tinham curso superior, trabalhavam e falavam línguas (nada a ver com os Pitboys de hoje). Eram profissionais do Banco do Brasil, da Aeronáutica, de vários matizes. Tínhamos um modo irreverente de debochar do cinismo de uma sociedade que se importava mais com as aparências do que com a nossa verdadeira integridade moral. Até hoje, os que ainda estão vivos, três ou quatro são casados com a mesma namorada daquela época. Você vê que o amor dos cafajestes é eterno.

LOU: E quais eram os cafajestes? Você sabe o nome de todos?

MÁRIO: Eram vários: Mariozinho de Oliveira, Carlinhos Niemeyer, Edu (da Panair), Príncipe Dom João de Orleans e Bragança, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Heleno de Freitas, Ibrahim Sued, Léo Peteca, Jorginho Guinle, Baby Pignatari, Vadinho Dolabella, Celmar Padilha, Paulinho Soledad, Sérgio Pettezzoni, Cassio França, Oldar Fróes da Cruz, Darcy Fróes da Cruz, etc.

LOU: Me conta. O que vocês aprontavam?

MÁRIO: Nós, naquela época, não tínhamos aquela facilidade que se tem hoje, de lugar para dar festas. Então, nós alugávamos casas vazias, em Copacabana, condenadas à demolição e fazíamos as festas. Quando acabavam, quase não havia muito o que demolir. Tem até umas engraçadas.

LOU: Conta as engraçadas.

MÁRIO: Nós alugamos uma casa e cismamos de arrumar uma decoração com um negócio de bambu. Mas acontece que um amigo, que ainda está vivo, graças a Deus, e uma namorada, foram lá para cima... Mexeram muito e aquilo caiu, desabou, foi uma gargalhada geral. Tudo era muito esportivo; adorávamos penetrar em festas, pulando o muro. Mas eram as nossas festas as mais disputadas da cidade, principalmente aquelas à fantasia, com muita bebida, boas orquestras e as mais brilhantes mulheres. O Mariozinho de Oliveira provocou uma famosa briga no Copacabana Palace, ao colocar um saco de gelo dentro do biquini de uma corista, no Golden Room... Outra do Mariozinho: eram mais de 10 horas da noite, quando o telefone tocou no luxuoso apartamento dele. Lá do interior da Bahia, uma mulher com voz bem arrastada, queria saber quanto custava um título para ingressar no ‘Clube dos Cafajestes’. Mariozinho respondeu:

- Quinze milhões, só que já estão esgotados... Mas se a senhora me der dois milhões por fora, posso dar aquele jeitinho...
- Então me dê o endereço da sede.
- Do lado ímpar da Avenida Atlântica...

LOU: Antigamente a bagunça era sadia.

MÁRIO: Aliás, agora mesmo no Jornal do Brasil, aquela menina, a Peltier, escreveu uma coisa, deve estar por aqui o recorte.

LOU: Ah! Muito legal.

MÁRIO: Isso foi em 14 de janeiro e eles fizeram uma molecagem comigo. Eu perguntei qual era o traje e disseram para eu ir como quisesse. Cheguei lá e estava todo mundo de esporte fino e eu estava de short, porque eu adoro andar de short. Foi aquela molecagem. Vim em casa, pus uma calça e voltei. Quando eu voltei – ah, não! – estavam todos bem à vontade... Eles me pregaram uma peça. E saiu isso no jornal do Brasil.

LOU: Leio todo dia a Marcia Peltier. Mas conta outra dos’cafajestes’. Que mais vocês aprontavam?

MÁRIO: Tem outra do Mariozinho: ele estava com o grupo em Teresópolis quando soube que um morador vizinho ia ser enterrado à tarde. O ‘clube’ arrumou um caixão e, com o Mariozinho dentro, saíram pela rua... Quando chegaram bem perto do verdadeiro cortejo fúnebre, o Mariozinho se levantou gritando: – “Estou vivo, estou vivo!” – foi uma correria danada e largaram o caixão com o verdadeiro defunto no chão...

LOU: E droga nem pensar, ainda não se conhecia, né? Isso é coisa recente. E o álcool?

MÁRIO: Drogas? Absolutamente não. Quanto ao álcool, eu, por exemplo, não bebia. A nossa base era Copacabana, mas as nossas molecagens percorriam toda a cidade. Andávamos sempre juntos, o ano todo. As brigas, na grande maioria, eram provocadas por gente de fora, que ficava com ciúmes ou coisa assim... E tem mais: só se metia connosco quem não nos conhecia. Nossos punhos eram a nossa arma... Só quando a coisa ficava feia, apelava-se para um caco de garrafa.”

Texto e pesquisa de Rui Moura (blogue Mundo Botafogo)
Porto, Roberto (2005). Botafogo – 101 anos de histórias, mitos e superstições. Rio de Janeiro: Editora Revan.
Sérgio, Renato (2000). A alma de uma cidade – lugares, fatos e personagens cariocas – reminiscências & lorotas. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações.

21 comentários:

Boss disse...

Cara,
Nao sei se voce ja ouviu falar no livro do clube dos cafajestes! Minha mae, filha de um dos integrantes do grupo, tinha uma copia, porem parece que o livro se perdeu.
Queria muito descobrir mais sobre o meu avo, tenho uma saudades incrivel dele.
Ja pesquisei pra caceta na net mas nao consigo achar o raio do livro!
Se tiver como dar uma ajuda ai, agradeco!

Ruy Moura disse...

Caro Boss, só conheço o livro que citei - "A Alma de uma Cidade..." - que fala dos 'cafajestes' e de Mário Saladini (ele é seu avô?), e a própria biografia do Mário Saladini: 'Cafajeste', com muita honra!

O 1º livro que citei está reproduzido na Internet - embora não se consiga copiar, apenas ler ou transcrever. Quanto ao 2º, nunca o encontrei.

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Boss, veja também em:
http://www.estantevirtual.com.br/q/cafajeste

Abraços Gloriosos!

Anónimo disse...

Eu tenho esse livro....

"Rio, pr'a não chorar", escrito por meu pai Sérgio Pettezzoni.

Ruy Moura disse...

Bruno, é pena o Boss não ter deixado endereço, porque se podia fotocopiar o livro para ele.

Abraços Gloriosos!

Anónimo disse...

Rui, o livro o qual me refiro é este (link abaixo).

http://bimg1.mlstatic.com/rio-pra-no-chorar-sergio-pettezzoni-frete-r-700_MLB-F-2892536591_072012.jpg

Um abraço.

P.S: Em que pese meu saudoso ser um botafoguense genuíno, não segui seus passos. Mas gosto muito do "Glorioso".

Sds Tricolores...
;-)

Ruy Moura disse...

Bruno, eu acho que seria engraçado se escrevesse algo para o Mundo Botafogo em torno desse livro e da figura do seu pai. A capa é muito engraçada!

A publicação sairia com a sua autoria.

Diga-me se concorda, por favor.

Se quiser escrever-me em privado pode fazê-lo para mundobotafogo@gmail.com

Abraços... Gloriosos!

Unknown disse...

Tive o prazer de conhecer o Darcy Fróes da Cruz. Saudade dele! Um Lord!

Ruy Moura disse...

Eu gostava de ter conhecido essa gente toda! Tempos fabulosos!

Abraços Gloriosos.

Unknown disse...

Sabem se existe ainda um grupo carioca intitulado com este nome nos dias atuais.

Ruy Moura disse...

Nao me consta que exista. Abraços gloriosos.

Unknown disse...

Meu marido frequentava o Clube dos Cafajestes. Helio Leitão de Almeida, da FAB

Ruy Moura disse...

OK. Eu acrescento o nome.
Abraços Gloriosos.

Anónimo disse...

Poxa, Rui. Desculpe. Acabei não voltando mais a está página. Se quiser retomar o que vc havia comentado, fique a vontade. Abraço.

Ruy Moura disse...

Olá, Bruno! Continua de pé o convite sobre escrever para o Mundo Botafogo em tornio do livro e da figura de seu pai. Aguardo retorno.

Abraços Gloriosos!

Anónimo disse...

Olá, Ruy. Combinado. Escreverei algo que remeta ao Clube dos Cafajestes e coloco no seu mail.... um fraternal abraço.

Ruy Moura disse...

Excelente, companheiro!!!

Abraços fraternos!

José Nelson Arruda Lima disse...

Por favor, uma duvida , morei no Parque Nacional de 63 a 73, na primeira casa de pedra logo na entrada, da casa tinha uma cachoeira que fazia divis a com outra casa do lado da Granja Guarani, com um caramanchão na pedra. Pergunto: Essa casa era do Mariozinho de Oliveira?

Ruy Moura disse...

Confesso que não sei, meu amigo. Se alguém souber responder aqui, faça o favor...

Abraços Gloriosos.

Jo Nobre disse...

Oi, quem foi seu avô?

Jo Nobre disse...

Oi, tudo bem? seu marido tinha contato com o comandante Edu na época? estou pesquisando sobre a história.

Botafogo campeão carioca de futsal feminino sub-17

Créditos:  BFR / @guerragui_ (foto);  BFR / @ely-gfx (arte) Por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo O Botafogo conquistou o Campeonato ...