“Sensacional ilustração do artista Shiko, da Paraíba – que mora em Roma –
do que ele imagina ser Walter, que está no imaginário de todo torcedor
brasileiro, seja de que time for. Todo mundo já viu este Walter espalhado pelos
estádios de todos os rincões do Brasil.” “Acredito é coisa de mineiro.
Comigo não”, a legenda sugerida
por Shiko.
por Thales Machado
13/Setembro/2013
Jornalista da ESPN no Rio de Janeiro
Creiam vocês que tudo que narro aconteceu de fato. Tudo é literário, mas
nada é inventado do que vi e vivi quarta-feira, na inolvidável noite no
Maracanã, quando o homérico time do Botafogo viveu mais um capítulo de sua saga
que já pareceu por algum par de vezes terminável. Foi lá, sem querer, que,
creio eu, conheci uma figura ainda mais inesquecível. Talvez o mais
botafoguense dos botafoguenses, o corneta-mor, o mais pessimista deles, aquele
que, com orgulho, brada e repete em voz e pensamento o fato de que ninguém
sofre mais do que ele, ninguém sofre mais, ninguém. Eis um torcedor.
Teórico de que nada de importante acontece nos cinco primeiros minutos que
não valha a última cerveja fora do estádio, entrei quando as cadeiras cor
AMARELO BEBÊ e AZUL CALCINHA do novo Maracanã já estavam tomadas por aqueles
botafoguenses que esperariam 89 minutos por um gol. Avistei um senhor e dois
assentos vazios a seu lado. Imponente que só ele, cabelos grisalhos e aquela
cara de velho quase agradável, Walter (descobriria o nome depois) ocupava três
cadeiras: a central com as nádegas (azul calcinha) e as duas vizinhas com o
braço (ambas amarelo bebê). Arrisquei, desagradei e sentei ao lado, diminuindo
seu nível de ocupância de lugares em um terço. Talvez não merecesse incomodar a
quase paz do torcedor de cabelos brancos, mas, inspirado pela equipe de Oswaldo
de Oliveira, fui abusado.
Logo reparei que estava no meio da turma do Walter. Ao lado dele, e ao meu,
cinco senhores que também padeciam do dom e do tom da velhice. Apesar dos 26
anos, me senti em casa. Ainda que sentado em uma cadeira AMARELO BEBÊ.
Minutos depois, aos 17, é para outro coroa, Clarence Seedorf, 37, que vai
meu olhar. Sozinho, dribla Cássio, é tocado, se mantém EM RISTE e chuta sem
goleiro, mas fraquinho, nos pés de Paulo André. O zagueiro pintor salva o gol
do meia cantor e é aí que começa a arte de Walter, que tem uma voz bem-parecida
com a do humorista Golias, revelada no primeiro impropério que ele solta contra
o camisa dez de seu time.
“Eu faria esse gol com a bunda! Chega, chega desse Seedorf! Não joga nada
esse cara!”, grita, gerando olhares em volta. Num bloco do eu sozinho de um só
argumento, inflama a si mesmo. “Tira esse cara, Oswaldo, tira esse holandês de
m… pelo amor de deus!”. Penso no quão são diversas as visões no mundo. Tento
imaginar como era a vida desse senhor quando Lúcio Flávio vestia aquela camisa.
Não dá tempo. Ele continua. “Não dá mais, tira esse cara. Ele só fica plantado
ali no canto. Não faz nada. O BOTAFOGO PERDE MEIO CAMPO COM ELE COMO TITULAR”
brada.
E segue por todo o primeiro tempo. “Até minha mãe na cadeira de rodas faria
esse gol. Esse cara só atrapalha, é um mercenário, empresário, veio pra tomar
dinheiro do meu Botafogo”. E eu, imóvel, não sei se pasmo pelo que ouço ou se
por aquele senhor ainda ter mãe, mesmo que na cadeira de rodas.
Seedorf foi chamado de lento, mole, desagregador, medíocre e mercenário
mais uma dezena de vezes até o fim da primeira etapa. Cada lamúrio é uma jogada
para Walter. Ninguém sofre mais do que ele. No intervalo, remoendo o gol
perdido, anuncia aos amigos, sem pestanejar.
- Chega, vou embora. Não aguento mais ver jogo do Botafogo com esse Seedorf
em campo.
Um amigo tentou evitar a fuga. Nem o nome do novo personagem é inventado.
LUPICÍNIO (todos com mais de 70 deveriam se chamar Lupicínio) pede para Walter
ficar e recebe impropérios mil, altos, nervoso, xingamentos dos quais VIÚVA DO
HOLANDÊS é o mais afável.
– Ele é meu amigo, meu grande amigo. Nos conhecemos no Engenhão, em 2008.
Vamos a todos os jogos juntos. E ele vem me mandar tomar naquele lugar? Estou
muito magoado. Mais do que se o Botafogo perder hoje – me conta Sr. Lupicínio,
antes mesmo que eu perceba que, sem querer, virei terapeuta do casal de
arquibancada.
– Quando o time tá mal ele esbraveja muito e é divertido, é engraçado.
Quando tá bem ele implica e fica chato. Implicar com o Seedorf? Parece que
bebeu – inocente, SUPÕE.
Lupicínio me agrada mais. Conversa, não fala sobre o passado, não
escangalha o presente. Ama o Seedorf. Ama até o Edílson, mesmo antes da
assistência magistral.
Com dez minutos, reaparece o Walter. Sem explicação. Seus dois assentos já
foram ocupados, resta outro do meu lado. E assim vejo o segundo tempo, entre
Lupicínio e Walter, separando uma amizade que o Botafogo uniu. Ainda pergunto
se querem que eu troque de lugar, e ambos negam, com aquela cara de “deixa ele
pra lá”.
Orgulho arquibaldo, das antigas. Walter passa o segundo tempo todo
repetindo que já fora jogador, que não era ruim, que faria mais pelo Botafogo
do que aquele mercenário do Seedorf. O outro otimiza sobre Hyuri, falando que
ele não joga nada mas vai fazer o gol. Amamos o Lupicínio, repito.
Aos trinta e cinco, em lance daqueles esquecíveis para sempre, Seedorf, no
canto, perdeu uma bola. Alguém recuperou e devolveu. O holandês – santo para
alguns tantos, mercenário para outros poucos – mal no jogo, errou um passe. A
voz de Walter inflamou junto com a sua paciência.
– Não é possível que só eu enxergo que esse traste faz mal ao Botafogo? Só
quer virar empresário, já não é jogador há muito tempo. – E aí sim, se foi de
uma vez, definitivamente, sem nem olhar para minha assustada ou para a
assustada e enrugada cara do amigo. Tirei até foto do momento, a que ilustra
estas linhas.
E assim ficamos, eu e Lupicínio, quase abraçados, clamando por um gol que
me deixaria sem dormir tamanha agitação e que daria a ele uma bela noite de
torpor, tamanha tranquilidade. Nós jovens queremos alegria para dormir menos,
enquanto os velhos ainda perseguem o êxtase para dormirem melhor. Dizia Nelson
Rodrigues que “o jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da
inexperiência”. Hyuri, inexperiente e defeituoso que só ele, foi lá e fez. Meu
abraço principal de arquibancada já tinha destino.
E o Walter? Impossível não descer a rampa do Maracanã sem pensar em como
foi seu fim de noite. Escondido em outra parte do Maracanã, perto ou longe,
escutando no rádio no carro, ou vendo pela TV de seu apartamento, ele, por
certo, comemorou e gritou ainda mais que nós todos.
Se invejou meu abraço em Lupicínio, foi só no subconsciente. É provável que
tenha abraçado a si mesmo diante da certeza e da convicção de seu mau humor. Se
tinha alguém do lado para falar, disse que esse Hyuri é muito mais jogador do
que esse velho holandês. Se não tinha ninguém por perto, gritou em pensamento.
E dormiu certo, convicto, punhos fechados de raiva, murmurando e matutando, com
certo ar de satisfação, que ninguém sofre mais do que ele, ninguém sofre mais,
ninguém.
10 comentários:
Caro amigo, sem certeza, tem uma personagem na foto que, creio, seja o Patinhas, o do Canal. Vou procurar o tel dele e tentar confirmar.
Agora, com mais certeza, mais sem ser absoluta, já "bati boca" com esse Walter, por conta de uma divergência sobre o Alessandro a dois anos atrás
abraços
Rui,
Vou confidenciar um "causo" e espero que o Luiz não fique chateado comigo.
No último jogo ele ficou azedo com a saída do Elias e entrada do Hyuri.
Ao final do jogo, com o belo gol e a vitória eis que ele diz: Estou um velho ranzinza! kkkk
Abs e Sds, Botafoguenses!!!
Amigo Ronau, se não é o Patinhas é o irmão gémeo.
Se você bateu boca com esse Walter defendendo o Alessandro, então eu sou o Walter!!! - Porque o Alessandro era horrível! (rs)
Abraços Gloriosos!
Essas coisas acontecem, Gil, mas confesso que mesmo que não tivessemos ganho acharia que a aposta do Oswaldo era correta. Primeiro porque não podemos estar contra ele porque se retranca, e depois estarmos contra ele porque faz entrar um atacante muito veloz, jovem e com as pernas sem os 60 minutos das pernas dos outros (foi substituído à volta dos 60' de jogo). Segundo, porque uma substituição para desmanchar a defesa adversária não pode ser feita aos 83' como era típico do Oswaldo. Fazê-lo com muita antecendência faz com que o substituto tenha mais tempo de adaptação ao jogo e consegue 'encaixar-se' nos 'buracos' da defesa contrária, como fez Hyuri.
Abraços Gloriosos!
cari amigo Rui, não defendia o Alessandro, mas, me perdoe, o cara (Walter) é um pé no saco...rs
E mesmo, Ronau. Torcedor assim é irritante. Acho que nem um grande título atrapalharia um tal tortcedor: sempre podia dizer que não foi invicto, ou que não teve 100% de acompanhamento, ou que os foguetes foram poucos, ou que as majoretes não abrilhantaram o evento antecendendo o jogo do título...
Abraços Gloriosos!
Rui, eu sou chato, ranzinza e reclamão. Mas vou te dizer, nossa torcida tem umas pessoas muito e absolutamente chatíssimas.
De um lado o fiscal de vaia. Aquele que não pode ouvir qualquer coisa que já te acusa de "não ser Botafogo", etc. E que acha que é preciso apoiar cegamente juninhos, lucio flavios, alessandros, marcios caruarus, reginaldos pinguins e outras pragas que já tivemos que ver jogar.
Do outro lado o sujeito que é tão reclamão e corneteiro que você passa a duvidar se ele torce a favor mesmo. O cara que passa o jogo inteiro falando mal, quase torcendo pra tudo dar errado só pra ele dizer "eu não falei?" no final.
Nos dois ultimos jogos no Maracanã me irritei. O jogo contra o são paulo, atrás de mim um sujeito reclamando do gabriel. E contra o corinthians, um outro xingando o seedorf o tempo todo, antes mesmo dele perder o gol. Olhei pra trás depois do lance e, sem mentir, posso dizer que o cara estava FELIZ com o Seedorf ter perdido o gol, ele estava delirante com seus amigos. Porque se a bola entra, toda a razão da reclamação cai por terra.
Que tipo de torcedor é esse que prefere a corneta ao resultado do time? Você sabe bem que já xinguei em algum momento praticamente todo jogador que eu vi com a camisa do Botafogo. Mas nunca torci pra errar, ou pra dar mole. Pelo contrário, sempre torci pra dizer "queimou minha língua" e nunca dizer "eu não falei?".
Ok, nós botafoguenses temos isso em comum, somos ranzinzas, talvez um pouco pessimistas. Mas os dois esxtremos, tanto o fiscal de vaia quanto o "walter" são dois tipos que eu de bom grado dispensaria da arquibancada.
Um abraço.
Danilo Paiva
Danilo, sou da mesma opinião. Aliás, basta vermos o que vemos no facebook: mal criticamos, e temos os submissos fiscais a achar que não somos Botafogo e que quando um jogador vaiado acerta dizem logo "onde estão os corneteiros? chupem!"; do outro lado um torcedor exatamente como o meu pai, com o qual é impossível assistir a um jogo, já que se os jogadores não forem perfeitos, está tudo desgraçado. No facebook são os que mandam todos pr'este e pr'aquele lado, sempre lados obscenos. São os torcedores sem 'berço', altamente próximos dos cathartiformes.
Por exemplo, atualmente estou absolutamente satisfeito com o seguimento, após fortes críticas que fizemos para os ajudarmos a melhorarem, que os atletas e a comissão técnica deram ao nosso rumo. O que prova que estávamos certos: é possível melhorar, é possível mudar.
Confesso que a única coisa que me desgosta são determinados comportamentos dios dirigentes, mas deixemos isso por agora porque é necessário que time, comissão técnica e torcida tenham o foco apenas nos jogos.
Abraços Gloriosos!
Imagina o Sr. Walter no intervalo do jogo de ontem....
hahaha
Acho que ele já não vinha para a segunda parte, Flaviano! (rs)
Abraços Gloriosos!
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