Do céu para o Brasil
12/junho/2014
[Paulo Marcelo Sampaio é o autor destas crônicas,
interpretando os protagonistas pelos quais assina; as crônicas publicadas no
Mundo Botafogo são uma gentileza do autor.]
Gil, meu caro!
Nunca fui de escrever. Dar autógrafo até me irritava.
Não que eu me achasse o tal. É que, quando entrava em campo, me sentia como se
estivesse em Pau Grande. Naquele terreno irregular, no alto de um morro, era
pecado mortal deixar a bola escapar pelas laterais. Ali, onde nasci, era o mais
mortal dos mortais. Nunca vesti o papel do ídolo. Como você pode notar, andei
tendo umas aulas de estilo com o Sandro [Moreyra] e o seu João [Saldanha].
Sempre me dizem pra eu escrever como se estivesse falando. E o seu Armando
[Nogueira] revisa o texto. Diz que é o copidesque. Ele me apresentou o Nelson
Rodrigues. É dele a frase mais bonita de já disseram de mim. Veja só. “Ele
cultiva a bola como uma orquídea de luxo”. Uma contradição eu gostar de uma
frase que fala de uma flor que alimenta os colibris. Quando chegou aqui, três
anos depois de mim, o Augusto Ruschi me olhou meio de lado. Depois fui
descobrir que ele era um estudioso de orquídeas e beija-flores. Ele sabia que
lá no pé da serra de Petrópolis, os passarinhos tinham mais medo de mim do que
os zagueiros daqueles times de várzea que me enfrentavam. Comigo os bichinhos
tinham dois destinos: ou a morte ou a gaiola. Que incoerência, gente boa. Mas
isso ficou pra trás. Aqui por cima todo mundo é livre. Há passarinhos de todos
os cantos do mundo. O coroa capixaba virou meu chapa. Jogamos conversa fora,
numa competição pra ver quem identifica se tal canto é de uma sabiá laranjeira,
se aquele acorde é de um pintassilgo, se aquele pousar é de um melro. Sempre
fui doido por passarinhos. Por rabos-de-saia. Por branquinhas, que deixava gelar
nos açudes de Pau Grande. E gostava muito de criança. Não necessariamente nessa
ordem. Na minha época de jogador era raro se ver crianças entrando em campo com
o time. Acho que nem existia mascote.
A primeira vez que vi um mascote foi em Belo
Horizonte, em 1958, depois da Copa do Mundo. Muitos anos depois, você me disse,
Gil, que aquelas duas crianças eram você e seu irmão Marco Antônio. Estavam lá
graças ao esforço do Zé Maria que, dono de uma grande ferro-velho, tinha lá
seus contatos e conseguiu uma autorização para os filhos entrarem em campo.
Passados tantos anos, meu amigo, devo confessar que você foi vítima de uma
piada minha. Depois que o time posou para as fotos, corri em direção ao
Quarentinha. “Olha lá, Quarenta, aquele menino é seu filho”. Hoje, aqui de
cima, me divirto quando você chama todo mundo de cabeçudo. Tenho um carinho
especial por você. Por um simples motivo: apesar de ter jogado a Copa de 78 com
a camisa 18, você foi o último ponta-direita do Botafogo. E era um touro,
difícil de ser derrubado. Pena que você não tenha participado do meu jogo de
despedida, em 1973. Aquilo ali me encheu de emoção, eu que andava tão
precisado. Soube agora pelo seu João do comentário que ele fez quando eu dava a
volta olímpica. Joguei a camisa suada para os geraldinos, minha platéia
preferida. Das cabines da TV Globo, Saldanha disse: – É um espetáculo bonito e
a simplicidade do Mané jogando a camisa, jogando a chuteira. E agora parece que
tá se ajeitando pra tirar as meias e também jogá-las pra torcida da geral, a
torcida que mais o viu de perto, que mais o incentivou.
No dia da primeiro jogo do Brasil na Copa, hoje é dia
de festa. Churrasco rolando solto, todos à espera do apito daquele japa que não
nos trouxe sorte na África do Sul. Eu tô dando uns tragos numa branquinha. Zé
Maria, seu pai e Marco Antônio, seu irmão, estão resenhando aqui com o Luis
Mendes e Armando Nogueira. Ih, espera!!!! Acaba de chegar aqui o Max Nunes,
amigo do Armando e ídolo do Maurício Torres. Todos estão em torno dele. E já
discutem se o Neymar vai fazer a festa naquele cantinho de campo que nós
gostávamos tanto de estar.
Com o forte abraço do
Mané Garrincha
P.S.: Esse delírio mistura realidade e ficção.
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