Do céu para a
Argentina
15/junho/2014
[Paulo Marcelo Sampaio é o autor destas crônicas,
interpretando os protagonistas pelos quais assina; as crônicas publicadas no
Mundo Botafogo são uma gentileza do autor.]
Messi, meu caro!
De rivalidade eu conheço. No Rio de Janeiro joguei em
dois clubes rivais. Em Buenos Aires, a mesma coisa. Lá, na minha terra natal, o
fanatismo é ainda pior. Suei pelo huracan, dei sangue pelo san lorenzo. Esse
último sofreu o pão que o diabo amassou. Como o Botafogo de meu amigo Fischer,
El Lobo, foi desterrado. No lugar do estádio construíram um supermercado de
bandeira estrangeira, o Carrefour. Fico uma fera quando os “quemeros” mostram o
símbolo do Carrefour nas arquibancadas. Os “cuervos” ficam pra morrer. Mas numa
Copa todos deixam esse ódio de lado e se unem. Seleção para nós é como um
tango, uma paixão incurável. Ou como uns versos de Jorge Luiz Borges. Ou ainda
uma ária cantada por Gardel.
Sou de um tempo remoto, Lionel. Uma época em que não
havia Mario Kempes, não havia Diego Maradona, não havia Daniel Passarella. Como
você, eu podia ter jogado uma Copa. Naqueles tempos eu era, sem falsa modéstia,
o melhor atacante do país. Raçudo, incansável, sem medo das travas das
chuteiras, de ferro, sempre bom lembrar. Por tudo isso cheguei à seleção. Mas
só fiz um jogo. Numa viagem, me encantei com uma aeromoça. Era linda a pequena.
Morena, de olhos claros. Mas brava a moça. A paquera acabou em confusão. Fui acusado
de assédio e desci preso pelo comandante. Preferi me calar, porque entre os
galanteadores estava um colega casado. Assinei minha “morte” na seleção; Fui
suspenso. Ao tentar me defender, o interventor da AFA me chamou de moleque.
Isso não suportei. Chamei-o de viado. Como vivíamos numa ditadura – pergunte a
seus avós o que passamos por lá – dancei. Você vê que as coisas agora são mais
leves.
Essa leveza encontrei no Rio, onde podia frequentar as
praias de chinelos e sem camisa. Paulo César Caju, Nilson Dias, Geraldo, três
crioulos bons de papo e de copo, estavam sempre comigo. Assim como o Gil, que
tinha a força de um búfalo, difícil de derrubar. Não que eu seja narcisista –
poderia até honrar meu primeiro nome – mas tínhamos ousadia. O Búfalo, por exemplo,
se apaixonou por uma jogadora de vôlei do clube onde trabalhávamos. Acabou se
casando com a Rose. Essa cidade em que você está concentrado para a partida de
logo mais, contra a Bósnia Herzegovina, me acolheu. Tive mais do que merecia. O
Manolo Eppelbaum, jornalista do Clárin, disse que eu era para o Rio o que Pelé
era para o Brasil. Exageros à parte, me considero o argentino mais carioca que
existiu. Mas isso são lembranças, só lembranças. Vi ontem vocês reconhecendo o
gramado do Maracanã. Como mudou esse estádio. Já não há aqueles blocos
cinzentos nas arquibancadas que pareciam nos sufocar. Porque o que eu gostava
mesmo era de casa cheia. Reparei que você anda pensativo. Talvez pensando em
reproduzir na seleção o futebol tic tac do barcelona. Clube é clube, seleção é
seleção.
Sou brasileiro naturalizado, mas na época de Copa do
Mundo não dá pra esquecer nossas raízes. Assim como tenho saudades do chope
gelado dos bares de Copacabana, sinto falta do chimarrão. E dos alfajores, que
comia sempre depois dos jogos para repor as energias gastas de tantas bordoadas
que sofria em campo. Vocês são uma constelação: Aguero, Di María, Palacio,
Higuaín. Levem para o campo a experiência desse futebol cada dia mais
globalizado. O resto fica por conta de Nossa Senhora de Lujan. Com a ajudinha
aí embaixo do Papa Francisco, o Bergoglio que conheci ainda padre. Todos vocês
vão realizar um sonho que sempre tive: jogar uma Copa do Mundo pelo país onde
nasci na terra que aprendi a amar.
Joguem bonito.
O abraço do
Narciso Doval
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