[Paulo Marcelo Sampaio é o autor destas crônicas, interpretando os
protagonistas pelos quais assina; as crônicas publicadas no Mundo Botafogo são
uma gentileza do autor.]
Do
céu para a Itália
20/jun/2014
Dino, meu
capitão!
Ficou bom pra gente.
Desde aquela tarde no estádio do Sarriá que, imerecida e inacreditavelmente,
foi abaixo, eu não vivia uma tranquilidade dessas. Acho até que a destruição
daquele templo parte da história das Copas foi proposital. Há, até hoje, 32
anos depois, uma nostalgia burra por uma seleção que fracassou. Sabemos eu e
você – minha voz dentro do campo – que estava tudo calculado. Só não
esperávamos que o time armado – mal armado, diga-se – de Telê Santana viesse
com tanta volúpia já que eles só precisavam do empate para se classificar. Mas
naquela época os brasileiros não sabiam jogar assim. E assim, esperando no
nosso campo, partíamos para os contra-ataques. Esperando a saída de bola deles,
Toninho Cerezo nos deu um presente.
Fomos para o
vestiário em vantagem. A nossa seleção, muita contestada – três empates na fase
de grupos -, ainda era vista com desconfiança. Como sofri com os colunistas do
Gazzetta Dello Sport, Dio Santo! Até greve de silêncio tive que fazer, você se
lembra? Tirando o Falcão, ninguém nos conhecia. E foi ele, coroado Rei de Roma,
que põe quase tudo a perder. Só o vi limpando a bola. Imagino seu desespero em
tentar pegar aquela bola. Só ele nos conhecia, eu dizia. Esse foi o pecado
capital do Brasil, embevecido com o futebol-arte, de pé em pé. Bonito, é verdade,
mas cheio de buracos, ineficiente na defesa. O gol da nossa classificação foi
de pelada. Confusão na área e pimba, Paolo estava lá, para nos salvar. Ali
arrancamos para o título.
Você, que
esteve comigo em Copas desde 1974, sabe que comemos o pão que o Diabo amassou.
Na Alemanha, uma volta pra casa já na primeira fase. Quatro anos mais tarde, um
honroso quarto lugar, com o Brasil no nosso caminho. Desde que cheguei aqui
tenho encontrado muita gente ligado ao futebol. Isso é muito bom. Alguns
jornalistas admitem que foram injustos comigo. E dizem que eu mesclei força e
talento. Com que orgulho vi você, goleiro como o Combi de 19, levantar a taça
como capitão, dessa vez sem nenhum ditador a nos fazer discursos e saudações
fascistas.
Dino, bambino! Você vestiu
112 vezes a camisa da seleção. Só vesti uma vez. Conheço, é verdade, os
bastidores do vestiário, o nervosismo que se vive no banco de reservas, ora em
pé, ora sentado, só olhando, sem poder dar um chute. É o pior. Planeja-se tudo
nos mínimos detalhes e um pequeno vacilo, pimba, pode-se perder tudo. Nunca
tive chance de falar isso pra você. Uma de minhas alegrias foi ter visto uma
seleção sob seu comando, na campanha que a levou para as Olimpíadas de Seul, em
1988. O meu líder, o meu representante dentro de campo agora no lugar onde eu
sempre gostei de estar. Aquele garoto, que olhava atento, bem de pertinho, as
defesas de Enrico Albertosi, tinha vencido na vida.
Nossa Itália sempre
cresceu no momento certo. Hoje, com a disposição de Balotelli, um touro que já
posou de Cristo Redentor, e a experiência de Pirlo, vai carimbar a passagem
para as oitavos, não tenho a menor dúvida. Nesta sexta-feira nublada por aqui –
aí está ? – estamos tranquilos, muito diferente do que nos aconteceu em 2010.
Com o prestígio de campeões mundiais, fizemos o que a Espanha faz agora. Vão
logo falar que estou confiante, que no futebol o imponderável e o imprevisível
podem bater a nossa porta. Prudência e caldo de galinha, é verdade, não fazem
mal a ninguém, mas forza Italia!
O melhor dos
meus abraços,
Vincenzo
Bearzot
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