Do céu para o Uruguai
14/junho/2014
[Paulo Marcelo Sampaio é o autor destas crônicas,
interpretando os protagonistas pelos quais assina; as crônicas publicadas no
Mundo Botafogo são uma gentileza do autor.]
Alcides, meu velho!
Emoções por essas bandas têm sido cada vez mais raras.
A última delas foi quando um velho, mulato esguio de Niterói, chegou por aqui.
Já faz doze anos. Zizinho, ele mesmo, com quem me comunicava por telepatia,
apesar de sempre cavalheiro, anda meio irritado com as lembranças de 1950.
“Obdulio, quando vim pra cá, ainda se via rastros arqueológicos no Maracanã”,
me disse. Tive vontade de chorar. Porque me lembrei daquelas pessoas humildes.
Ficavam numa área que os brasileiros chamavam de geral. A visão devia ser
péssima: os olhares estavam no nível do gramado. Mas muitos deles, por estarem
próximos, devem ter notado seu chute mascado, sem força. E que decretou a
tragédia brasileira. Quando o jogo acabou, parecíamos ter saído das páginas
sangrentos de um livro sobre guerras. Estávamos exaustos, mas felizes. Foi a
primeira vez que vi uma festa sem som, uma apoteose muda. O estádio só não
parecia um filme de cinema mudo porque há nos filmes de Charles Chaplin aquele
teclar irritante dos pianinhos medíocres. Até mesmo nas maiores tristezas, há
barulho. No final de guerras, há barulho; soldados a dar tiros para o ar a
anunciar o triunfo. Nas velórios, há barulho: choros dos amigos, fungadas de
fãs e lamentos de viúvas, arrependidas, com saudades. Ou não. Mas ali, naquele
colosso de concreto recém-construído, até mesmo os pardais fugiam daquele anel
de concreto. Até eles se sentiram derrotados. E tínhamos para nós todo o
Maracanã. Só os jogadores. Sem os cartolas que, covardes, voltaram para
Montevidéu. Azar o deles, que perderam o momento épico.
De 1950 até hoje paramos no tempo. Dizem que é castigo
dos Deuses do futebol. Pura bobagem. Eles não existem. Falo da cadeira. Só há
um. E sentado à direita de Deus Pai Todo Poderoso, seu filho Jesus. O Rio de
Janeiro amanheceu ensolarado. O estádio onde fomos campeões há 64 anos está
muito mudado. Já tinha mudado muito até a reforma para a Copa do Mundo. Daqui
de cima – lembro bem – ouvi os últimos gritos de “é campeão!” no Estádio Mario
Filho. Foi em 2010, quando um louco batizado de Washington Sebastian Abreu
Gallo resolveu humilhar um adversário. Foi o ensaio para a nossa cavadinha, na
disputa de pênaltis que nos colocou nas semifinais da Copa da África do Sul.
Comemorei meio timidamente por conta da maneira que chegamos à disputa de
pênaltis. Porque no último minuto da prorrogação o atacante Luizito Suarez deu
uma de goleiro. Pênalti desperdiçado pelo ganês, que jogou a bola na trave.
Hoje o Brasil, terra que você tem estado com certa
frequência, semopre tratado com carinho, é muito diferente daquele que
conhecemos. Em 1950, do quarto do Hotel Paysandu, podíamos escutar as ondas do
mar. Com o Aterro engoliu parte da baía. Como era bonita aquela cidade. Cidade
que conheci triste. Não sei por que, mas lembrei da “Cumparsita”, nosso hino
popular. Você, Ghiggia, que sempre gostou de tangos, vai se lembrar dele. Conta
a história de um homem abandonado pela mulher. Ao ver o dono tão triste, até o
cachorro de estimação resolveu deixá-lo também. Sempre me identifiquei com esse
personagem. Pela solidão. Enquanto vocês comemoravam o campeonato com cerveja e
pão com mortadela, preferi ficar sozinho. Perambulei pelas ruas desertas. Nelas
só putas, cafetões, punguistas, homens simples, operários de mãos calejadas,
todos mudos, calados pela derrota inexplicável. Entrei num botequim simples,
pedi um conhaque chinfrin e brindei a mim mesmo o milagre de horas atrás.
Sempre fui assim. Sozinho.
Leve meu abraço aos nossos guerreiros que daqui a
pouco entram em campo. Avante Celeste!
O abraço amigo do
Obdulio
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