por CARLOS VILARINHO
especialmente para o
Mundo Botafogo
sócio-proprietário e
historiador do Botafogo de Futebol e Regatas
Na
quinta-feira (3/10/1963), um fato havia chocado o Botafogo. Saldanha compareceu
ao Ministério da Justiça para depor no inquérito sobre tráfico e uso de
psicotrópicos. Então, afirmou que os campeonatos do Rio e de São Paulo eram disputados
com os jogadores dopados (80% deles). Alguns se drogavam por vontade própria,
outros, sem saber, “vítimas que são de interesses desumanos de paredros que,
para ganhar uma partida, alcançar um título de campeão, não hesitam em
destruir, muitas vezes, um time inteiro”.
Saldanha
abordara o assunto em artigos publicados entre 22 de julho e 24 de agosto,
quando deu asas à imaginação para revelar os “subterrâneos” do Botafogo,
verdadeiro alvo do que certa igrejinha chamou de “radiografia do futebol brasileiro”.
Ele pintou o Botafogo como um clube de passado não recomendável, reacionário,
avacalhado, andando às cegas sob o comando de patetas. Um leitor menos
informado duvidaria de sua condição de “botafoguense”.
No
capítulo XIII (dia 5 de agosto), ao tratar da participação do Botafogo no
Quadrangular da Costa Rica (janeiro de 1958), além de desacreditar a conquista
do título de 1948, Saldanha acusou os jogadores botafoguenses de terem se
dopado na decisão contra o Fluminense (22/12/1957).
No
capítulo XXII (dia 15), Saldanha qualificou Paulo Azeredo como racista. Tomando
tardia posição no racha de 1933, acusou o Botafogo de rejeitar o
profissionalismo porque, “no fundo”, não queria “abrir suas portas ao negro”.
Era de rir, pois o Botafogo não era contra o profissionalismo. Apenas não
reconhecia autoridade no Fluminense para proibi-lo de escalar jogadores
amadores (os craques campeões de 1930 e 1932). Por isso, o Botafogo defendia o
sistema misto (vigente na Itália, Suíça e Tchecoslováquia, por exemplo), exatamente
o regime que vigoraria a partir de 1937. Saldanha escreveu que “o Botafogo, a
peso de ouro e de influência junto aos poderes públicos, tinha juntado, em seu
time, quase que a seleção brasileira de brancos”. Na verdade, o Botafogo foi o
esteio da CBD, garantindo a presença do escrete brasileiro (de brancos e
negros) na Copa do Mundo de 1934, apesar da sabotagem de Fluminense, Vasco,
Palestra Itália, etc.
No
capítulo XXIII (dia 16), Saldanha pintou este quadro dos dirigentes de clubes:
“Uma organização velha, arcaica, impede que o futebol avance. A característica
dos clubes forma os dirigentes. O futebol promove. Dá nome. E eles brigam por
um lugar ao sol”. Saldanha não disse que, antes de ser técnico (1957-1959),
também exerceu cargos de direção (1944-1949 e 1956-1957).
No
capítulo XXX (dia 24), Saldanha sugeriu ao leitor que criasse um arquivo para
medir a que “grau de maturidade o charlatanismo atingiu”. No arquivo deveriam
constar entrevistas dos treinadores e dos médicos: “As entrevistas de diretores
não devem ser arquivadas. Seria perda de tempo. Não representam nada além da
autopromoção do entrevistado. As raríssimas exceções só confirmam, de forma
categórica, a regra. Jamais o diretor apresentará um plano sério de trabalho.
Nem pode”.
O
Botafogo não reagiu em consideração ao passado alvinegro do referido
“benemérito”. Mas, agora, o limite do tolerável foi ultrapassado. No dia 3 de
outubro, Saldanha disse ao promotor que, na decisão de 1957, seus jogadores, à
exceção de Servílio, Nilton Santos e Garrincha, jogaram dopados, sobretudo
Paulinho, autor de 5 gols. E arrematou: “Todos estão aí para confirmar tal
denúncia”. Quando o delegado pediu que ele citasse os nomes dos demais,
Saldanha retificou a declaração: “Não sei se eles usaram estimulantes. Posso
garantir, porém, que, indagados a esse respeito, não negaram, nem confirmaram”.
Na
sexta-feira, Ricardo Serran (O Globo) comentou: “Engraçado que só agora o
Saldanha venha contar isso. Por que ele não falou no doping ao tempo em que era
técnico?”.
No
mesmo dia, Adalberto, Thomé, Edson e Quarentinha declararam que não se
recordavam “de ter tomado antes, durante ou depois do almoço, ou mesmo no
vestiário, antes do jogo, qualquer comprimido estimulante e que, se lhes
tivesse sido oferecido, recusariam”. Estellita disse que, em matéria de
bolinha, só conhecia “a bolinha de gude”, embora, há quase 40 anos, não
brincasse com uma. Esclareceu que, quando Saldanha era técnico do time, esteve
sempre ao seu lado, mas nunca soube da existência do assunto. Sergio Darcy
reagiu asperamente: “Na época, o dono indiscutível do Botafogo era ele,
Saldanha, e ninguém melhor que ele para dizer como os jogadores conseguiram a
droga para entrarem dopados em campo”. Não houve qualquer reação do
comentarista.
Passagem autorizada
pelo autor, extraída de: VILARINHO, C. F. (no prelo). O Futebol do Botafogo
1961-65. Rio de Janeiro: Edição do Autor.
[O livro pode ser
adquirido nas melhores livrarias do Rio de Janeiro e a partir do sítio www.ofuteboldobotafogo.com]
4 comentários:
Rui,
São surpreendentes essas declarações de Saldanha.
Acho que ele disse essas coisas para atacar alguém, algum desafeto político.
Declarações como essas, se ouvidas/lidas por algum torcedor adversário, soariam como que Saldanha nem Botafoguense fosse...
Saudações Gloriosas!
Eu fiquei abismado quando li. Mas é mesmo à João Saldanha.
A questão é que ele queria acabar com a parte social do Clube e com as modalidades, metendo as fichas todas no futebol.
Ora, nem o Botafogo é só futebol estatutariamente, nem a sua vida social podia ser eliminada, porque os bailes e os eventos do Glorioso eram a maior referência social de um clube do Rio de Janeiro desde a 2ª década do século XX.
Mas Saldanha foi sempre igual a si próprio: súbito e inesperado, polêmico e agitador.
E um dos maiores botafoguenses de todos os tempos!
Nele só lamento o que fez ao Manga, prejudicando o Clube com a perda do maior goleiro brasileiro que vi atuar. E em minha opinião um dos maiores do mundo. Manga ficaria no Botafogo até ao fim da carreira se não fosse o temperamento vulcânico do 'João Sem Medo'.
Abraços Gloriosos.
Certa vez o Sandro Moreira falou que o Saldanha gostava de polêmica e era chegado a inventar estórias, como uma que ele participou da revolução chinesa ao lado do Mao Tsé Tung. O Sandro até brincava que ele estava tão perto do Mao que este gritou com o Saldanha:"Pola João, pisou no meu calo". Por causa disso ficaram anos sem se falar. Com o Manga foi imperdoável, e essa agora dos dopings só serve para alimentar as frustrações dos rivais. O mais curioso é que se isso de fato tivesse acontecido, o maior culpado seria o próprio Saldanha, afinal, ele era o técnico. E outra pergunta: por que só falou isso tempos depois de estar brigado com dirigentes do clube? Estranho, muito estranho. Abs e SB!
Estavam bem um para o outro, Sergio: Sandro e Saldanha, dois grandes aldrabões que mentiam e enganavam o parceiro por puro prazer. Já não há mais gente assim.
Sandro conseguiu a proeza de enganar o Armando Nogueira com aquela do Garrincha ter sido solicitado para falar ao microfone, dizendo supostamente: "Alô, microfone!"
Pura invenção do Sandro e que o Nogueira tomou como verdadeira. Só quando o livro foi publicado é que o Sandro disse a verdade ao A. Nogueira por puro prazer de mostrar ao outro que o enganara.
O Saldanha teve muitos problemas com os dirigentes enquanto foi treinador entre 1957 e 1959, porque queria acabar com o Botafogo social e não só o Paulo Azeredo não permitia como todos os outros notáveis também não (Carlito, Darcy, etc.). Em 1959 ou 1960 abandonou todos os cargos e ficou zangado para sempre com o presidente.
Abraços Gloriosos.
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