João
Saldanha era comunista dos bons, não levava desaforo pra casa. Jornalista dos
bons, soltava o verbo contra desigualdades. Técnico dos bons, fez o time jogar
por música, fez os palhaços darem o melhor de si em cada espetáculo. Organizou
a bagunça de forma desorganizada.
Fez
o povo feliz. Fez o povo acreditar. Até as salas de cinema passavam tapes dos
espetáculos antes da exibição dos filmes, através do Canal 100, com um estilo
de filmagem que dava um tempero especial ao bailado dos artistas, dando ênfase
da cintura para baixo, com uma música brasileira instrumental que ainda batuca
em minha cuca. Havia pessoas que admiravam mais o trailer do que a
longa-metragem. Festa nas salas atapetadas. Mas há coisas que só acontecem com
o Botafogo.
Como
diria mais um especial botafoguense, poetinha vagabundo, Vinícius de Moraes, tristeza não tem fim, felicidade sim...
Felicidade foi-se embora. Chegou um regime duríssimo. Marcação serrada.
Apologia às drogas. Chegou o momento de tristeza plena, à alegria foi ficando
na falha memória de quem por lá esteve, infelizmente não havia TVs nos
picadeiros espalhados pelos interiores dessa imensa avenida chamada Brasil para
registrar as comédias mais qualificadas já vistas. Tristeza. Filmes de terror.
Momento em que o ser humano arranca o cérebro da caixa craniana, engaveta-o e
sai a distribuir tapas e tiros nos seus semelhantes em prol de alguma
surrealidade ordenada pelos escalões mais altos da ignorância.
E
quanta tristeza! Chegou a ditadura militar e suas razões inconcebíveis.
Primeiro golpe em 1964. Covarde, o nome já diz tudo, golpe, pelas costas,
entrada desleal em sua população, que distraída, sorria ainda leve e nem
reparou na agressiva jogada suja. Tesoura voadora, digna de cartão vermelho.
Ensaio orquestrado por norte-americanos de interesses promíscuos e executado
por brasileiros, isso mesmo, nosso povo extinguindo nossa prole. E em 1968 a
crônica de uma morte anunciada, o segundo e fatal golpe, o fim de uma era
fantástica, na cara dura mesmo, pela frente, entrada com as duas solas nos dois
joelhos do Brasil. Fraturas expostas. Doloridas. Fim das galerias de arte
mutantes, o fim de uma cultura pura e popular, o fim do circo alvinegro. Lona
desarmada.
Até
1970 ainda aproveitaram resquícios da trupe montada pelo supracitado João
Saldanha e deram espetáculo no México, último ato, anos de chumbo, colocaram o
covarde e condescendente Zagalo em seu lugar que alterou apenas um palhaço no
time a mando de um general solitário que andava com um cigarrinho em uma mão e
radinho de pilha na outra, quando não estava a assinar sentenças de execução de
brasileiros autênticos, como Marighella. Torturas e desaparecimento de
talentosos circenses. Saldanha disse em alto e bom som ao ditador escale seu ministério, que eu escalo minha equipe... Claro, foi mandado para a rua da amargura, por pouco não
colou suas costas em um paredão com os olhos vendados.
Chega
a ser cômica esta tragédia, a arte colaborando para uma forma de governo
desumana que desprestigiava a própria. A partir de então, meu Neto, a
perseguição contra os talentos se fez em todos os possíveis meios. O retrato de
uma sociedade indecisa e encurralada, deu-se também nos circos. Liberdade?
Expulsa do dicionário brasileiro.
SUDERJ
informa, substituição no Botafogo de Futebol e Regatas. Saem: Atchim, Espirro,
Carequinha, Chuvisco, Arrelia, Patati-Patatá, Bolinha, Bozo, Papai Papudo,
Piolin, Pierrot Elitizado, Torresmo, Didi, Dedé, Mussum, Zacarias, Tião Macalé,
Sargento Pincel... Entram: Recruta, Soldado, Cabo, Sargento, Subtenente,
Cadete, Aspirante, Tenente, Capitão, Major, Tenente-coronel, Coronel, General e
Marechal. MARECHAL? MARECHAAAAALLLLLLL?...
Fomos
desalojados de nosso belo Palacete Mourisco no bairro que originou o nome de
nossa constelação, fábrica de inigualáveis gênios, para Marechal Hermes.
Rasgaram nossa lona, furaram os pneus de nossos triciclos, esburacaram nossa
cama elástica, esconderam nossas tintas, queimaram nossas perucas, desmontaram
nossas arquibancadas, amassaram nossos trailers,
lesionaram joelhos e tornozelos de nossos artistas, emudeceram à força nossos
palhaços. Peraí, MARECHAL??... Puta que me pariu!
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