quinta-feira, 5 de março de 2015

De avô para neto ou o ‘circo’ perdido nas brumas da memória… (9)

por PEDRO ARÊAS, 25/08/2014

O pior é que nossos antigos palhaços passaram a levar a sério essas ordens de lunáticos generais, tornaram-se soldados rasos, perigosamente bem armados, mudaram de profissão, abandonaram o improviso, a sensibilidade e por preguiça, tornaram-se o anti-espetáculo. Nossos jovens estão sendo ordenados a lutar em vez de jogar. Por consequência, nosso jeito moleque de desfilar habilidades e fazer palhaçada foi se esvaindo.

No lugar do picadeiro, praças de guerra. No lugar dos artistas, guerreiros. No lugar do apresentador, incitador. No lugar do narrador, patrocinador. No lugar da felicidade, lucro. No lugar do encantamento, dourados troféus. No lugar de gargalhadas, palavrões. No lugar do Bravo!, vaias. No lugar de alegria, cobrança. No lugar de festa, ofensas. No lugar da satisfação, alívio. No lugar de respeito, recalque. No lugar de abraços, cotoveladas. No lugar de comemorações, desabafos. No lugar de famílias, quadrilhas. No lugar de músicas, xingamentos de guerra. No lugar das artes, ciências exatas... Ciências exatas? Exatamente, infelizmente! Nossos circos repletos de inocência, imperfeições e desajeitados palhaços foram transformando-se em desqualificadas réplicas do Cirque du Soleil, padrão shopping center, com atletas e competidores em plena forma física, aparentemente esteticamente sem defeitos, e sem talento algum, apenas muito treinamento, muita repetição, muito suor, muitas marteladas e broncas até a inatingível e inexistente perfeição. Que coisinha mais sem graça, né? Tão limpinho e tão bonitinho que soa falso. Cadê os tombos, as piruetas, as falcatruas, as risadas, as falhas, as tentações, as estripulias e as mágicas? No passado.

Roupas desformes e elegantes perderam espaço para uniformes de mau gosto idênticos, que mais se assemelham a abadás de horrorosas comemorações baianas, nos quais lutamos para encontrar o escudo de nosso time em meio a tantas logomarcas maquiavélicas. As ferraduras são coloridas, ou melhor, as chuteiras, difícil é encontrar uma preta e branca. Colocam ferramentas de prevenções por dentro dos meiões que tornam os jogadores, soldados recém-operados, em uma enfermaria pós batalha sangrenta. Ataduras, esparadrapo, tornozeleira, algodão, gaze, neoprene. E pasme, meu Neto, virou instrumento obrigatório o uso da caneleira. As caneladas e as bicudas estão mais frequentes que os dribles. Hoje os pseudomodelos e pseudoatores perdem horas ajeitando os cabelos e sobrancelhas em salões de beleza antes do jogo para admirarem-se nos telões espalhados, sim, sim, como os palhaços se maquiavam antes da cena, mas o porém é que o intuito era fazer rir, era inserir um colorido personagem em seu corpo e divertir crianças, e os de hoje, nos fazem rir do ridículo, de vergonha alheia, pois são os próprios encarnados pateticamente, assustando crianças, narcisistas ao extremo. Com W iniciando seus nomes e mal resolvidos cabelos de Calopsita. Outro tipo de palhaço, infelizmente.

Dirigentes viajam constantemente para Europa atrás de mágicas soluções, atrás de ilusões, ouro de tolo, dinheiro. Lá não há preocupação com o talento, só com estatísticas, e que porre são as estatísticas! E que porre são os estatísticos!

Europeus possuem o vil metal, compram nossos palhaços novinhos, separam de suas famílias, adestram com aval do medo, arrancam às habilidades naturais oriundas de africanos e índios, exterminam o deboche, despenteiam suas perucas, operam seus vermelhos narizes, limpam pintados rostos, expulsam o bom humor e os transformam através de anabolizantes em fortes super-heróis, duros toda a vida. Transcendentes. Aprendem a castigar a bola, maltratam o espetáculo e fazem crianças chorarem mais que rirem. Outro tipo de palhaço, infelizmente. Receitas por aqui entram em boa quantidade, mas as dívidas dos circos aumentam junto com as contas bancárias de alguns poucos empresários. As principais decisões desportivas estão sendo realizadas em salas fechadas com ar-condicionado, assinadas com pomposas Montblancs em prédios luxuosos e tribunais indecentes.

Hoje tem marmelada? Tem sim senhor!

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