por
Carlos Herculano Lopes
EM
Cultura
07.02.2008
Logo depois de classificar a Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1970, no México, o treinador João Saldanha teria dado uma resposta à altura quando o presidente Médici manifestou o desejo de ver no time o atacante Dario: “O senhor organiza o seu ministério e eu organizo o meu time”. Esta frase corajosa, dita ao chefe do país, no período mais negro da ditadura militar, teria sido a gota d’água para a demissão do técnico, que além do mais era comunista convicto. Zagalo assumiu o comando do time e acabou levando o jogador do Atlético Mineiro, mas Dadá Maravilha nem entrou em campo. O time, até então chamado de “as feras de Saldanha”, foi campeão, e toda essa história, e muitas outras, está contada no livro João Saldanha, uma vida em jogo (Companhia Editora Nacional, 552 páginas, R$ 64), que o jornalista André Iki Siqueira acaba de lançar.
O
autor conta em detalhes a vida desse que, além de técnico e jogador de futebol
e ativista político, foi repórter de vários jornais e comentarista esportivo
consagrado, uma das personagens mais fascinantes do Brasil no século 20. “Entre
o início das pesquisas e a conclusão, entrevistei dezenas de pessoas ao longo de
quatro anos”, conta André Siqueira. Seu relato segue uma ordem cronológica,
para facilitar a leitura, começando com o nascimento de Saldanha no interior do
Rio Grande do Sul, em 1917, em plena luta entre chimangos e maragatos, até sua
morte, na Itália, em 12 de julho de 1990, durante a Copa do Mundo, trabalhando
como cronista esportivo para o Jornal do Brasil e comentarista da TV Manchete .
Um
dos aspectos mais interessantes do livro é que, muito mais do que se deter na
vida pura e simplesmente do biografado, André Siqueira recheia a narrativa com
os principais acontecimentos de vários períodos da história. Por exemplo: na
década de 1930, quando o então adolescente João Saldanha chegou com a família
ao Rio, indo morar em Botafogo, o país também seria sacudido por importantes
movimentos políticos, como a revolução que levaria Getúlio Vargas ao poder e o
levante comunista de 1935. De muitos deles Saldanha participaria, sempre
exaltando sua paixão pelo futebol. “Em algumas entrevistas, Saldanha dizia que
havia entrado para o Partido Comunista em 1942; em outras, que seu ingresso
havia se dado em 1935… Seja como for, João passou os primeiros anos da década
de 1940 entre a família, o PCB e o Botafogo”, relata André Siqueira.
Mitos
e realidade
Ainda
de acordo com a biografia, Saldanha teria estado também na Europa durante a 2ª
Guerra Mundial, como repórter. Documentado com dezenas de fotos, em 6 de junho
de 1944, o histórico Dia D, Saldanha desembarcou ao lado do marechal
Montgomery, quando os aliados chegaram à Normandia. “Tanto amigos quanto
críticos debocham da história, afirmando ser outra mentira do João”, diz o
autor. Nada de mais em se tratando de um personagem tão polêmico que, por muito
menos, no Rio de Janeiro, de revólver em punho, enfrentou o dono de uma
farmácia que teria desfeiteado sua empregada. Ou outra vez, quando deu um tiro
no goleiro Manga, do Botafogo, que teria se vendido para o Bangu do bicheiro
Castor de Andrade, na decisão de um campeonato carioca. Ou ainda no início da
década de 1950, participando da luta pela posse da terra, no Norte do Paraná.
Segundo o jornal A Folha de Londrina, “Saldanha esteve de corpo e alma no auge
do conflito, vivendo em Londrina e dando apoio aos posseiros”.
Essas
foram apenas algumas brigas em que Saldanha se meteu. Esteve também envolvido
na famosa greve dos 300 mil, em 1953, que literalmente parou São Paulo. Quatro
anos mais tarde, seria campeão carioca dirigindo o Botafogo de Didi, Garrincha
e Nilton Santos, num memorável jogo contra o Fluminense. “Nosso time era uma
máquina de jogar”, diria três anos mais tarde, já como cronista esportivo da
Última Hora, para onde foi, a convite de Samuel Wainer, ao mesmo tempo em que
também trabalhava na Rádio Guanabara. Em 1964, como não poderia deixar de ser,
esteve contra os militares golpistas, que tomaram o poder com a deposição do
presidente João Goulart. Já em 1969, no auge do autoritarismo, aceitou comandar
a Seleção Brasileira, da qual acabou demitido em 17 de março de 1970, pouco
mais de dois meses antes da Copa do México.
Casado
quatro vezes, pai e avô extremado, a partir de então, seja como comentarista
esportivo de jornais e televisão ou como ativista político, João Saldanha
sempre foi coerente com seus princípios, dos quais nunca abriu mão. Seria assim
até sua morte, aos 73 anos, aclamado como uma das mais importantes
personalidades públicas do Brasil. Como disse Thereza Bulhões, em depoimento
sobre ele: “O João era um grande Dom Quixote, mas também um Sancho Pança. Ele
era uma mistura dos dois”.
2 comentários:
Rui,
Dê uma lida nessa matéria sobre o João Sem Medo Saldanha.
Principalmente o último paragrafo, é para rir muito!
http://terceirotempo.bol.uol.com.br/que-fim-levou/joao-saldanha-1941
Abs e Sds, Botafoguenses!!!
Obrigado, Gil.
Abraços Gloriosos.
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