terça-feira, 13 de maio de 2014

Nilton Santos e os "homens de preto"

Nilton Santos ganhou o apelido de "A Enciclopédia” por causa dos conhecimentos adquiridos na longa e vitoriosa trajetória como jogador de futebol. Em pesquisas realizadas até hoje, aparece como o maior lateral-esquerdo de todos os tempos. Nilton Santos tinha outra fama, a de contador de histórias. Em 1998, decidiu então colocar no papel, em um livro, muitas de suas andanças pelo mundo da bola, como jogador e dirigente do Botafogo, único clube que defendeu durante 16 anos, levantando 20 títulos, em 729 jogos com a camisa alvinegra. Em Minha bola, minha vida [Editora Gryphus, 1998], Nilton Santos revela que os dois maiores adversários que teve em sua longa trajetória não foram grandes craques do futebol brasileiro ou mundial. Nilton tinha pavor de avião e de juiz de futebol. Sobre os homens de preto ele deixou algumas histórias inesquecíveis.

Juízes

Esse é um grupo do futebol do qual não gosto muito de lembrar. Tenho duas definições para eles: “Juiz de futebol, ou é muito honesto – se errar é realmente porque ninguém é infalível – ou então só serve para atrapalhar e estragar o espetáculo. Tanto que desde que parei de jogar profissionalmente, só jogo peladas, nas quais eles não estão. Costumava dizer, ainda, que, junto com o avião, eles foram os meus maiores adversários.

Como em todos os setores da sociedade, conheci muita gente boa e honesta desse grupo. A lista não é muito grande: Mário Vianna, com dois enes, foi sem dúvida o maior deles. Alberto da Gama Malcher foi outro. Aírton Vieira de Moraes, “o Sansão”, e Gomes Sobrinho também posso incluir. Por outro lado, tínhamos os que não eram muito “católicos”, com suas características próprias, chegando, muitas vezes, a serem engraçados.

Conheci um que apitava no Campeonato Mineiro, o Alcides, conhecido como “Cidinho Bola Nossa”. Ele era torcedor declarado do Atlético Mineiro e do Botafogo. Quando uma bola, a favor do Galo, saía pela lateral, ele corria e dizia para o batedor: “Corre, corre, que a bola é nossa”. Caso fosse a favor do adversário e um jogador do Atlético pegasse na bola, ele dizia: “Joga para longe, que a bola é deles”.

Quando o Atlético jogava contra o Botafogo, eu encostava nele e dizia: “Como é Cidinho? Como vai ser hoje? Você vai apitar direito?”. No maior cinismo, ele respondia: “Não se preocupe, hoje não tem problema, é tudo preto e branco e qualquer resultado tá bom”.

Outra história do Cidinho – essa contada pelo Pampolini – é que até mesmo o Cruzeiro, quando ia jogar no interior, convidava-o para apitar os jogos. Ele defendia a tese de que time de capital não podia perder no interior. Certa vez, o Cruzeiro jogava contra um time do interior e não estava conseguindo ganhar. Ele tratou de arrumar um jeito, marcando pênalti a favor do Cruzeiro. Bateram e não fizeram o gol. Ele arrumou um segundo, o mesmo jogador bateu e o goleiro defendeu. Cidinho, então, chamou o capitão do Cruzeiro e disse: “Só vou marcar mais um, vê se agora vocês fazem o gol e não deixa mais esse cara bater”.

Eunápio de Queiroz, esse era uma gracinha. O apelido dele era “Larápio de Queiroz”. Certa vez, o Botafogo jogava com o Santos, no Pacaembu. O jogo estava duro e o empate de 0x0 era um ótimo resultado para nós, porque o Santos jogava melhor. Eu passava por ele, a todo instante, e perguntava quanto tempo faltava. Ele respondia que o jogo não havia acabado ainda. Olhava para as arquibancadas e via o público, já satisfeito com o resultado, deixando o estádio. Mas, o apito final não vinha. Lá pelas tantas, Doval – ponta direita do Santos – cruzou uma bola na área, o goleiro Manga saiu, mas sentindo que não dava, voltou, dando uma chance para o Pelé dominar dentro da área e fazer o gol. Nesse momento, ele passou por mim e disse: “Agora, seu Nílton Santos, o jogo acabou”. Fiquei louco da vida, xinguei toda a família dele, mas não teve jeito.

No domingo seguinte, o Botafogo jogava contra o Atlético Mineiro, no Maracanã. Para falta de sorte do Botafogo e minha, o Larápio foi escalado de novo, por ser considerado um neutro. Ele era da Federação Paulista. Quando entrei em campo, me dirigi a ele e disse: “Eu vou jogar hoje, porque sou muito sem vergonha”. Ele, cinicamente, me respondeu: “Não, deixa que eu vou apitar direito”. É mole ou querem mais?

Determinados episódios desfavoráveis da vida profissional da gente, às vezes é melhor esquecer. Aqui, gostaria de relatar e esclarecer alguns fatos desses. Não fui um modelo de disciplina quando os “homens de preto”, meus eternos adversários, colocavam o dedo na minha cara ou roubavam a minha equipe. Com o senhor Armando Marques, o qual não gostaria de citar, aconteceram dois episódios desse tipo.

O primeiro eu ainda era jogador. Foi num jogo Botafogo e Corinthians, no Pacaembu. Ele marcou um pênalti que não existiu, contra o Botafogo. Fui reclamar da marcação. Ele, todo nervozinho, veio falar comigo e colocou o dedo na minha cara. Aí não deu. Escureceu e dei-lhe uma porrada. Fui expulso e, ao final do jogo, tive de sair do Pacaembu escondido dentro de um carro. O chefe da delegação era o Dr. Ney Cidade Palmerio. E, como juiz de Direito, se responsabilizou por mim.

O fato é que esse senhor era muito abusado, gostava de dar seu show particular para as torcidas. E eu não podia consentir aquilo. Era um homem decente, o Pacaembu estava lotado. Além do mais, tinha um filho assistindo o jogo, em casa. Já pensaram, eu chegando em casa, ele me cobrando uma atitude que eu deveria ter tomado em campo? Não ficaria bem para mim.

De outra vez, em 1971, eu era diretor de futebol do clube. O Botafogo disputava as finais do Campeonato Brasileiro e foi jogar contra o São Paulo, no Morumbi. Eu chefiava essa delegação. Ao chegar no hotel onde concentramos, fui procurado por um jornalista de lá, Bibas (Solange Bibas), que queria conversar comigo, alertar-me para um fato, que, segundo ele, iria ocorrer no jogo à noite: “Nílton, vocês não vão ganhar esse jogo”, foi categórico. “Por quê? Se futebol é ganhar, empatar e perder? Por que, se o jogo nem começou?”. Indaguei surpreso. “Pois tome cuidado, avise aos seus jogadores que não aceitem provocações, o juiz vai expulsar. No banco de reservas do São Paulo, vão estar sentado o governador Laudo Natel e o comandante do primeiro exército, todos dois sãopaulinos. O Armando vai apitar olhando para o banco”, tornou a alertar o jornalista.

No vestiário, após a preleção do Paraguaio, que era o treinador, pedi a palavra. Comuniquei aos jogadores o aviso que eu havia recebido e pedi a eles que ficassem atentos, e com a maior calma possível. Que não aceitassem provocações e mantivessem a cabeça fria, para não correrem o risco de uma expulsão. O importante era ganhar o jogo e o título. Não deu outra. Aconteceu exatamente como o Bibas havia me alertado. Só time do São Paulo tinha direito de fazer faltas. A favor do Botafogo, ele não marcava nada. Forlan – lateral direito deles, deu porrada em todo mundo e o juiz não mostrou nem cartão amarelo. O Botafogo acabou por perder o jogo de 4 a 1.

No domingo seguinte, foi o jogo contra o Atlético Mineiro, no Maracanã. Só que o Botafogo praticamente não tinha chances. Precisava ganhar com uma diferença de quatro gols. Era, teoricamente, impossível e, realmente, não aconteceu. O Galo ganhou de 1 a 0.

Eu, estava no banco de reservas do Botafogo, tinha ido para o Maracanã, naquele dia, com a ideia de esquecer o episódio do Pacaembu. Mas, novamente, ele apitou mal e perdi a cabeça. Achei um absurdo. Um clube gasta dinheiro com o plantel, com o treinador, treina a semana toda, se prepara e, na hora do jogo vem um “juizinho” qualquer e acaba com o espetáculo.

Após o apito final, Zequinha e Fischer correram em direção ao Armando. Fui mais rápido e impedi a passagem deles. Dei um empurrão no juiz que, para sorte minha, caiu no túnel deles, mas não se machucou. Senão, eu ainda poderia ter me complicado.

O que quero esclarecer é que o público vê um diretor ou um jogador agredir um juiz e, às vezes, não entende nada. Acha que foi dor de cotovelo porque o agressor perdeu o jogo. Quis contar com detalhes esse fato para que compreendam por que agredi o Armando Marques. Por causa disso, nunca recebi tantos cumprimentos na rua. Até autoridades foram à minha loja, na época, para dizer que eu fiz o que eles gostariam de ter feito.

O juiz de futebol mais correto que conheci foi o Mário Vianna, com dois enes. Ele era correto, justo, estava sempre em cima do lance. Claro que deve ter se enganado algumas vezes, mas nunca errou propositadamente. Falava com o jogador com firmeza e autoridade, mas sem vedetismo.

Para conhecer outras história do árbitro “Cidinho bola nossa”, ver http://hisbrasileiras.blogspot.com/2009/12/cidinho-bola-nossa.html

Imagem: Nilton Santos agredindo Armando Marques depois de mais uma de centenas de garfadas que as arbitragens fizeram ao Botafogo desde há cem anos. 
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2 comentários:

Gil disse...

Rui,

Acredito que não tenha um jogador com espírito tão amador (na essência da palavra) como jogador profissional do Botafogo como o Nilton Santos.

Ídolo Eterno!

Abs e Sds, Botafoguen

Ruy Moura disse...

Sem dúvida, Gil. Entre os profissinais terá sido o mais 'amador' de todos.

Gostaria de destacar a atitude de Luiz Tovar, que quando teve que ser pago para continuar a jogar futebol no Botafogo, arrumou as chuteiras precocemente no armário. Era o tempo em que o desporto era um prazer; agora é um descalabro d efalta de ética, especialmente no futebol graças às atitudes pouquíssimo claras da FIFA, que não pune quem deve, que não faz o necessário no âmbito de preservação da ética do futebol. Na verdade, o futebol será um esgoto enquanto a FIFA proteger interesses de uns contra os interesses de outros.

Abraços Glorisos.

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