Nilton Santos ganhou o apelido de "A
Enciclopédia” por causa dos conhecimentos adquiridos na longa e vitoriosa trajetória
como jogador de futebol. Em pesquisas realizadas até hoje, aparece como o maior
lateral-esquerdo de todos os tempos. Nilton Santos tinha outra fama, a de
contador de histórias. Em 1998, decidiu então colocar no papel, em um livro,
muitas de suas andanças pelo mundo da bola, como jogador e dirigente do
Botafogo, único clube que defendeu durante 16 anos, levantando 20 títulos, em
729 jogos com a camisa alvinegra. Em Minha bola, minha vida [Editora Gryphus,
1998], Nilton Santos revela que os dois maiores adversários que teve em
sua longa trajetória não foram grandes craques do futebol brasileiro ou
mundial. Nilton tinha pavor de avião e de juiz de futebol. Sobre os homens de
preto ele deixou algumas histórias inesquecíveis.
Juízes
Esse é um grupo do futebol do qual não gosto muito de
lembrar. Tenho duas definições para eles: “Juiz de futebol, ou é muito honesto
– se errar é realmente porque ninguém é infalível – ou então só serve para
atrapalhar e estragar o espetáculo. Tanto que desde que parei de jogar
profissionalmente, só jogo peladas, nas quais eles não estão. Costumava dizer,
ainda, que, junto com o avião, eles foram os meus maiores adversários.
Como em todos os setores da sociedade, conheci muita
gente boa e honesta desse grupo. A lista não é muito grande: Mário Vianna, com
dois enes, foi sem dúvida o maior deles. Alberto da Gama Malcher foi outro.
Aírton Vieira de Moraes, “o Sansão”, e Gomes Sobrinho também posso incluir. Por
outro lado, tínhamos os que não eram muito “católicos”, com suas
características próprias, chegando, muitas vezes, a serem engraçados.
Conheci um que apitava no Campeonato Mineiro, o
Alcides, conhecido como “Cidinho Bola Nossa”. Ele era torcedor declarado do
Atlético Mineiro e do Botafogo. Quando uma bola, a favor do Galo, saía pela
lateral, ele corria e dizia para o batedor: “Corre, corre, que a bola é nossa”.
Caso fosse a favor do adversário e um jogador do Atlético pegasse na bola, ele
dizia: “Joga para longe, que a bola é deles”.
Quando o Atlético jogava contra o Botafogo, eu
encostava nele e dizia: “Como é Cidinho? Como vai ser hoje? Você vai apitar
direito?”. No maior cinismo, ele respondia: “Não se preocupe, hoje não tem
problema, é tudo preto e branco e qualquer resultado tá bom”.
Outra história do Cidinho – essa contada pelo
Pampolini – é que até mesmo o Cruzeiro, quando ia jogar no interior,
convidava-o para apitar os jogos. Ele defendia a tese de que time de capital
não podia perder no interior. Certa vez, o Cruzeiro jogava contra um time do
interior e não estava conseguindo ganhar. Ele tratou de arrumar um jeito,
marcando pênalti a favor do Cruzeiro. Bateram e não fizeram o gol. Ele arrumou
um segundo, o mesmo jogador bateu e o goleiro defendeu. Cidinho, então, chamou
o capitão do Cruzeiro e disse: “Só vou marcar mais um, vê se agora vocês fazem
o gol e não deixa mais esse cara bater”.
Eunápio de Queiroz, esse era uma gracinha. O apelido
dele era “Larápio de Queiroz”. Certa vez, o Botafogo jogava com o Santos, no
Pacaembu. O jogo estava duro e o empate de 0x0 era um ótimo resultado para nós,
porque o Santos jogava melhor. Eu passava por ele, a todo instante, e
perguntava quanto tempo faltava. Ele respondia que o jogo não havia acabado
ainda. Olhava para as arquibancadas e via o público, já satisfeito com o
resultado, deixando o estádio. Mas, o apito final não vinha. Lá pelas tantas,
Doval – ponta direita do Santos – cruzou uma bola na área, o goleiro Manga
saiu, mas sentindo que não dava, voltou, dando uma chance para o Pelé dominar
dentro da área e fazer o gol. Nesse momento, ele passou por mim e disse:
“Agora, seu Nílton Santos, o jogo acabou”. Fiquei louco da vida, xinguei toda a
família dele, mas não teve jeito.
No domingo seguinte, o Botafogo jogava contra o
Atlético Mineiro, no Maracanã. Para falta de sorte do Botafogo e minha, o
Larápio foi escalado de novo, por ser considerado um neutro. Ele era da
Federação Paulista. Quando entrei em campo, me dirigi a ele e disse: “Eu vou
jogar hoje, porque sou muito sem vergonha”. Ele, cinicamente, me respondeu:
“Não, deixa que eu vou apitar direito”. É mole ou querem mais?
Determinados episódios desfavoráveis da vida
profissional da gente, às vezes é melhor esquecer. Aqui, gostaria de relatar e
esclarecer alguns fatos desses. Não fui um modelo de disciplina quando os “homens de
preto”, meus eternos adversários, colocavam o dedo na minha cara ou roubavam a
minha equipe. Com o senhor Armando Marques, o qual não gostaria de
citar, aconteceram dois episódios desse tipo.
O primeiro eu ainda era jogador. Foi num jogo Botafogo
e Corinthians, no Pacaembu. Ele marcou um pênalti que não existiu, contra o
Botafogo. Fui reclamar da marcação. Ele, todo nervozinho, veio falar comigo e
colocou o dedo na minha cara. Aí não deu. Escureceu e dei-lhe uma porrada. Fui
expulso e, ao final do jogo, tive de sair do Pacaembu escondido dentro de um
carro. O chefe da delegação era o Dr. Ney Cidade Palmerio. E, como juiz de
Direito, se responsabilizou por mim.
O fato é que esse senhor era muito abusado, gostava de
dar seu show particular para as torcidas. E eu não podia consentir aquilo. Era
um homem decente, o Pacaembu estava lotado. Além do mais, tinha um filho
assistindo o jogo, em casa. Já pensaram, eu chegando em casa, ele me cobrando
uma atitude que eu deveria ter tomado em campo? Não ficaria bem para mim.
De outra vez, em 1971, eu era diretor de futebol do
clube. O Botafogo disputava as finais do Campeonato Brasileiro e foi jogar
contra o São Paulo, no Morumbi. Eu chefiava essa delegação. Ao chegar no hotel
onde concentramos, fui procurado por um jornalista de lá, Bibas (Solange
Bibas), que queria conversar comigo, alertar-me para um fato, que, segundo ele,
iria ocorrer no jogo à noite: “Nílton, vocês não vão ganhar esse jogo”, foi
categórico. “Por quê? Se futebol é ganhar, empatar e perder? Por que, se o jogo
nem começou?”. Indaguei surpreso. “Pois tome cuidado, avise aos seus jogadores
que não aceitem provocações, o juiz vai expulsar. No banco de reservas do São
Paulo, vão estar sentado o governador Laudo Natel e o comandante do primeiro
exército, todos dois sãopaulinos. O Armando vai apitar olhando para o banco”,
tornou a alertar o jornalista.
No vestiário, após a preleção do Paraguaio, que era o
treinador, pedi a palavra. Comuniquei aos jogadores o aviso que eu havia
recebido e pedi a eles que ficassem atentos, e com a maior calma possível. Que
não aceitassem provocações e mantivessem a cabeça fria, para não correrem o
risco de uma expulsão. O importante era ganhar o jogo e o título. Não deu
outra. Aconteceu exatamente como o Bibas havia me alertado. Só time do São
Paulo tinha direito de fazer faltas. A favor do Botafogo, ele não marcava nada.
Forlan – lateral direito deles, deu porrada em todo mundo e o juiz não mostrou
nem cartão amarelo. O Botafogo acabou por perder o jogo de 4 a 1.
No domingo seguinte, foi o jogo contra o Atlético
Mineiro, no Maracanã. Só que o Botafogo praticamente não tinha chances.
Precisava ganhar com uma diferença de quatro gols. Era, teoricamente,
impossível e, realmente, não aconteceu. O Galo ganhou de 1 a 0.
Eu, estava no banco de reservas do Botafogo, tinha ido
para o Maracanã, naquele dia, com a ideia de esquecer o episódio do Pacaembu.
Mas, novamente, ele apitou mal e perdi a cabeça. Achei um absurdo. Um clube
gasta dinheiro com o plantel, com o treinador, treina a semana toda, se prepara
e, na hora do jogo vem um “juizinho” qualquer e acaba com o espetáculo.
Após o apito final, Zequinha e Fischer correram em
direção ao Armando. Fui mais rápido e impedi a passagem deles. Dei um empurrão
no juiz que, para sorte minha, caiu no túnel deles, mas não se machucou. Senão,
eu ainda poderia ter me complicado.
O que quero esclarecer é que o público vê um diretor
ou um jogador agredir um juiz e, às vezes, não entende nada. Acha que foi dor
de cotovelo porque o agressor perdeu o jogo. Quis contar com detalhes esse fato
para que compreendam por que agredi o Armando Marques. Por causa disso, nunca
recebi tantos cumprimentos na rua. Até autoridades foram à minha loja, na
época, para dizer que eu fiz o que eles gostariam de ter feito.
O juiz de futebol mais correto que conheci foi o Mário
Vianna, com dois enes. Ele era correto, justo, estava sempre em cima do lance.
Claro que deve ter se enganado algumas vezes, mas nunca errou propositadamente.
Falava com o jogador com firmeza e autoridade, mas sem vedetismo.
Para conhecer outras história do árbitro “Cidinho bola
nossa”, ver http://hisbrasileiras.blogspot.com/2009/12/cidinho-bola-nossa.html
Imagem: Nilton Santos agredindo Armando Marques depois de mais uma de centenas de garfadas que as arbitragens fizeram ao Botafogo desde há cem anos.
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Fonte do artigo: www.literaturanaarquibancada.com
2 comentários:
Rui,
Acredito que não tenha um jogador com espírito tão amador (na essência da palavra) como jogador profissional do Botafogo como o Nilton Santos.
Ídolo Eterno!
Abs e Sds, Botafoguen
Sem dúvida, Gil. Entre os profissinais terá sido o mais 'amador' de todos.
Gostaria de destacar a atitude de Luiz Tovar, que quando teve que ser pago para continuar a jogar futebol no Botafogo, arrumou as chuteiras precocemente no armário. Era o tempo em que o desporto era um prazer; agora é um descalabro d efalta de ética, especialmente no futebol graças às atitudes pouquíssimo claras da FIFA, que não pune quem deve, que não faz o necessário no âmbito de preservação da ética do futebol. Na verdade, o futebol será um esgoto enquanto a FIFA proteger interesses de uns contra os interesses de outros.
Abraços Glorisos.
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